Ilustração: Ricardo Machado
Ilustração: Ricardo Machado
Esse negócio de corrigir o passado se complica quando o que simbolizava uma coisa passa a simbolizar outra. Por exemplo: Penny Lane, em Liverpool, na Inglaterra. O nome original da rua foi em homenagem a James Penny, um rico proprietário de navios negreiros, com tanto prestígio entre seus pares que foi o escalado para defender o tráfego de escravos no Parlamento, quando a prática começou a ser questionada.
No século 18, mais de 1 milhão e meio de negros africanos atravessaram o Atlântico como escravos em navios cujo porto de origem era Liverpool. A cidade chegou a dominar 40% do tráfego mundial de escravos e percentagem quase igual do comércio marítimo em geral, e enriqueceu com isso a ponto de rivalizar com Londres. Tinha toda razão, portanto, em homenagear Mr. Penny e similares. Mas em 2006 o conselho municipal resolveu que os nomes de ruas que lembravam a escravatura deveriam ser substituídos por nomes de abolicionistas, inclusive Penny Lane – que a esta altura era uma das ruas mais famosas do mundo e uma atração turística, graças à música dos Beatles.
A reação foi grande e deixaram que Penny Lane continuasse sendo Penny Lane, sob o azul céu suburbano da letra de Paul McCartney. Afinal, ninguém mais se lembra de James Penny e do comércio de negros africanos, que tanto fizeram por Liverpool. A não ser, talvez, na África.