Ilustração: Ricardo Machado
Ilustração: Ricardo Machado
Exemplo: se não fosse a influência da cultura negra, a civilização ocidental seria muito mais sem graça – para não falar em sem ritmo e sem colorido – do que é, logo, foi bom existirem a escravatura e a diáspora forçada de negros da África.
Outro exemplo, ainda pior: é inimaginável a cultura americana sem a contribuição de intelectuais e artistas judeus expulsos da Europa pelo fascismo, foram os nazistas que os expulsaram, logo, o fascismo não foi tão ruim assim. (Ninguém faz esse tipo de dedução a sério, mas há algo de silogismo sujo na defesa que se ouve de governos fortes, ou da ordem como a principal virtude de uma sociedade, mesmo com o sacrifício de direitos e liberdades. Há um silogismo sujo à espreita, sempre que se procura justificar os excessos de um regime repressivo com supostas realizações do regime, em repetidas tentativas de reescrever ou absolver o passado. Como no Brasil).
A diáspora africana nos deu o samba, o jazz e todos os ritmos caribenhos, certo. O fascismo, o comunismo e outros ismos persecutórios mandaram grandes cabeças e talentos para as Américas. Basta lembrar o caso dos Estados Unidos, onde gente como Saul Steinberg, Billy Wilder e Vladimir Nabokov, para citar poucos, não teria tido a experiência do exílio e da realização artística no desterro se não tivesse que fugir de Hitler, de Mussolini e dos bolcheviques. Mas em vez da racionalização amoral de um silogismo sujo para conter este paradoxo, deve-se pensar nele como efeito colateral da grande desarrumação da História. A História é explosiva, as explosões acabam com qualquer ideia de lógica ou simetria, logo, vá entender.