OPINIÃO

O breu

Poe Elisa Lucinda / Publicado em 28 de julho de 2011

O breu de Elisa Lucinda

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O breu

meu eu

Deus meu

Alguém chamou minha mãe

e não pediu a mim

Alguém de algum deus, algum querubim

retirou-a de cena sem a minha permissão

Alguém arrancou-me o umbigo

sem falar comigo

Alguém de alguma misteriosa verdade

Puxou-lhe o fio da vida, a echarpe, a pipa, a idade

Alguém anjo a levou para compor outro coral

Alguém roubou de mim a sua voz

a sua música que era meu melhor vento

Adeus moqueca, adeus convento

alguém levou meu mundo, meu invento

minha bruxa boa, meu unguento

Estou ainda de vestido azul de bolinha

calcinha de babado, sentada na calçada, sozinha.

Minha mãe não está na cozinha, no piano, na aula, na vizinha

Alguém badalou meia-noite e a cinderela virou açoite, pernoite.

 

É breu, Deus… um buraco fundo, um vão sem chão, o infortúnio

Quero ao menos que, ao morrer o criador, não se vá também a criatura.

Está escuro, quero luz, dá-me a luz…

alguém desatarraxou daqui minha lâmpada maravilhosa

Agora não posso mais ter febre

Agora ninguém mais reza e não há compressa

Agora eu estou com pressa.

(Da série “Divalda Blues”)

 

Elisa Lucinda é colunista do Extra Classe.

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