Cientistas apontam graves problemas no Código Florestal
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC) entregaram dia 27 de fevereiro ao relator da proposta do novo Código Florestal, o deputado Paulo Piau (PMDB-MG), um documento com argumentos científicos embasando propostas de mudança no projeto atualmente em debate no Congresso Nacional. O documento aponta problemas graves no atual texto do projeto que, na avaliação dos cientistas, podem trazer “prejuízos desastrosos ao meio ambiente” e comprometer a própria sustentabilidade da agricultura.
A SBPC e a ABC reconhecem alguns avanços no projeto, destacando, entre outros, o estabelecimento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o condicionamento do crédito agrícola à regularização ambiental, a inclusão dos mangues entre as áreas de preservação permanente, e a obrigação de projetos de lei específicos para cada bioma em um prazo de três anos.
No entanto, o documento elaborado pelas duas instituições aponta o que consideram “graves problemas”. Um dos temas que causa maior preocupação à comunidade científica brasileira é o relacionado às áreas de preservação permanente (APP). “Todas as áreas de preservação permanente nas margens de cursos d’água e nascentes devem ser preservadas e, quando degradadas, devem ter sua vegetação integralmente restaurada. A área das APPs, que deve ser obrigatoriamente recuperada, foi reduzida em 50% no texto atual”, critica o documento.
Além disso, os cientistas defendem que as APPs de margens de cursos d’água devem continuar a ser demarcadas, como foram até hoje, a partir do nível mais alto da cheia do rio. “A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal”, diz ainda o texto. Essas áreas, lembram os cientistas, “são importantes provedoras de serviços ecossistêmicos, principalmente, a proteção de nossos recursos hídricos e, por isso, objetos de tratados internacionais de que o Brasil é signatário, como a Convenção de Ramsar (Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional).
Mudanças implicam desregulação do setor
O documento da SBPC e da ABC aponta ainda, entre outros, os seguintes problemas na proposta atual:
– O projeto torna mais ampla a possibilidade de compensação de reserva legal no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada.
– Na recuperação das reservas legais degradadas, o possível uso temporário inicial de espécies exóticas não pode se transformar em uso definitivo, como fica assegurado pelo texto atual.
– A figura de áreas rurais consolidadas em APPs, até 22 de julho de 2008, e a possibilidade de serem regularizadas não se justificam. Desde pelo menos 2001, o desmate dessas áreas já estava proibido.
– Recuperar a faixa marginal concomitantemente com a utilização do espaço pelo gado impede a regeneração da vegetação.
– O tratamento diferenciado de poder restaurar extensão menor de APPs deveria ser restrito à agricultura familiar.
A reforma do Código Florestal, tal como vem sendo proposta no Congresso, conclui o documento, representa “a desregulação do setor do agronegócio com sérios riscos para o meio ambiente e para a própria produção agrícola”. “A proteção de áreas naturais está sendo consideravelmente diminuída e perde-se assim a oportunidade de produzir alimentos com mais eficiência e com sustentabilidade ambiental, o que deveria ser o grande diferencial da agricultura brasileira”, criticam os cientistas. Sob forte pressão da bancada ruralista, que até aqui tem uma maioria consolidada neste tema, o projeto do Código Florestal deve ir à votação no decorrer do mês de março.
Foto: Antonio Cruz/ABr