OPINIÃO

A internet e o fantasma de Margaret Thatcher

Por Marco Weissheimer / Publicado em 12 de abril de 2012

O desenvolvimento da internet e de uma multiplicidade incessante de novas ferramentas abriram uma oportunidade inédita na história da humanidade: o ato de escrever foi massificado, ou a possibilidade dele ao menos. Por meio de correio eletrônico, blogs, Orkut, Facebook, Twitter e toda uma parafernália virtual, milhões de pessoas tornaram-se, senão escritores e jornalistas, autores diários de impressões, relatos, crônicas, ensaios, imagens e áudios. A explosão informacional é uma espécie de big bang em andamento, que ninguém sabe onde é mesmo que vai parar, se é que vai parar. Como costuma acontecer com todas as criações e invenções, essa novidade veio para o bem e para o mal. As vantagens já foram mais do que suficientemente cantadas em prosa e verso, portanto não seria ocioso nos determos um pouco em algumas das manifestações do lado escuro da força.

Uma crítica recorrente ao mundo “internético” consiste em afirmar que ele prejudica a vida social e coletiva, favorecendo o isolamento das pessoas na frente de seus computadores, de sua banda larga e suas ferramentas. Passados alguns anos da explosão das redes sociais, essa crítica parece improcedente. Se, no varejo, as pessoas permanecem mais tempo na frente do computador, no atacado as ferramentas virtuais vêm contribuindo para a articulação de grandes mobilizações e manifestações reais. O Facebook e o Twitter não fazem a revolução, mas dão uma mão significativa a ela, como foi demonstrado recentemente no Egito, na Espanha, nos Estados Unidos e em muitos outros países.

“Essa coisa de sociedade não existe”

Mas há um outro tipo de isolamento, mais sutil, que não vem sendo suficientemente registrado. Trata-se do surgimento de um tipo de ativista individual, crítico das formas tradicionais de representação política, que aposta na sua capacidade de intervenção nas redes sociais e que acredita que pode mudar o mundo sem tomar o poder. Esses revolucionários virtuais carregam um paradoxo consigo: sua visão crítica do poder e da política tradicional acaba se aproximando perigosamente de uma máxima cultivada pela ex-premier britânica Margareth Thatcher, para quem “essa coisa de sociedade não existe”. O que existe, dizia Thatcher, são os indivíduos. A representação política, neste caso, no máximo, é uma formalidade a ser tolerada.

Nenhum ativista cibernético de esquerda admitirá que se filia a essa tradição, mas, na prática, ela vem ganhando espaço nas redes sociais de formas mais ou menos sutis. Uma das mais frequentes é acreditar que a militância individual e separada de um punhado de ativistas pode causar alguma transformação mais profunda. Já está provado que esse tipo de movimento pode ajudar a articular grandes mobilizações de rua. Daí a provocar mudanças na estrutura do poder político-econômico, há uma grande distância. As mobilizações do Egito e da Espanha mostraram isso de forma exemplar. Passado o período das multidões de jovens nas ruas e da queda do ditador (no caso do Egito), veio o período das eleições. E aí venceram as estruturas políticas centralizadas e tradicionais: na Espanha, a direita do Partido Popular; no Egito, a Irmandade Muçulmana, tradicional organização política e religiosa do país. Mais uma vez, a história se repete: não dá para “mudar o mundo sem tomar o poder”.

O risco de jogar fora o bebê com a água do banho

Há uma equação difícil aí. A decadência e a perda de vitalidade das organizações políticas tradicionais são inegáveis. Também é inegável que as mobilizações de jovens mundo afora injetam um muito bem-vindo sopro de vitalidade em sociedades estagnadas e castigadas pelo modelo neoliberal. No entanto, o risco de jogar fora o bebê com a água do banho acompanha de perto o renascido ativismo que se expressa nas redes sociais. A possibilidade de manifestar a sua própria opinião, o tempo todo, sobre qualquer assunto, desperta algumas patologias narcísicas e megalomaníacas. As impressões e convicções individuais adquirem ares de verdades e certezas indiscutíveis que prescindem de qualquer debate e/ou mediação. Os ânimos se alteram, o “tom de voz” fica elevado.

O texto individual torna-se, assim, em muitos casos, a expressão de uma postura autoritária e individualista que despreza a mediação necessária a “qualquer” debate público. As opiniões se “esquecem” que são opiniões e aspiram um status científico, ou religioso, dependendo do perfil do internauta. A internet, como lar de seres desencarnados, está se tornando um lugar bastante selvagem, onde a reflexão sobre o que se escreve e sobre o próprio ato de escrever é substituída pela intervenção rápida e carregada de convicção. O dever com o próprio texto está sendo atropelado pela sedução da opinião sobre tudo e sobre todos, a qualquer momento e lugar. As pessoas sempre fizeram isso, mais ou menos. A diferença, agora, é que elas têm o mundo inteiro como público potencial.

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