OPINIÃO

Dois bilhões de reais em auxílio-moradia para juízes e promotores: constrangimento para quem?

Por Marco Weissheimer / Publicado em 11 de maio de 2012
Gastos de dois bilhões de reais

Foto: Marcos Eifler/ALRS/Divulgação

Audiência pública realizada dia 5 de abril na Assembleia Legislativa para discutir auxílio

Foto: Marcos Eifler/ALRS/Divulgação

No dia 1º de abril deste ano, o Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande do Sul (Simpe/RS) lançou, em Porto Alegre, uma campanha para denunciar o pagamento de auxílio-moradia para juízes e promotores.

Segundo o Sindicato, o auxílio-moradia pago a juízes e promotores deve consumir cerca de 2 bilhões de reais dos recursos dos cofres públicos nos próximos anos.

Com esse dinheiro seria possível, por exemplo, pagar o piso salarial para os professores do estado, motivo de conflito atualmente entre o governo e a categoria. Mas a imensa maioria dos juízes e promotores não admite sequer fazer esse debate.

A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) recusou-se a participar de uma audiência pública sobre o tema, realizada dia 5 de abril, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O Simpe/RS realizou várias manifestações, inclusive na sede do MP-RS, e seus dirigentes chegaram a ser impedidos de ingressar no prédio para conversar com os servidores sobre o tema.

A origem do problema remonta à década de 1990. Entre 1994 e 1998, deputados federais e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) receberam um subsídio na forma de auxílio-moradia.

Em 2000, o STF determinou que o direito deveria ser estendido a todos os magistrados do país. De lá para cá, a União já gastou bilhões de reais para o pagamento desse auxílio.

Somente para a Justiça trabalhista, em 2008, foram cerca de R$ 1 bilhão. O auxílio foi pago inclusive para quem morava na cidade onde trabalhava.

No Rio Grande do Sul, segundo estimativa da Procuradoria Geral do Estado (PGE), somando-se pagamento de principal e juros para cerca de 900 magistrados já foram pagos até hoje cerca de R$ 700 milhões de reais em auxílio-moradia.

Previsão é de gastos bilionários

Na audiência pública realizada na Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia gaúcha, por iniciativa do deputado Jeferson Fernandes (PT), representantes de várias entidades defenderam que esses valores deveriam ser canalizados para ações nas áreas da Saúde, Educação e Segurança.

Mas os juízes não estavam lá para ouvir isso. Além disso, uma nova categoria, a dos promotores, decidiu reivindicar o mesmo direito.

“Com isso, chegaremos a um gasto de 2 bilhões de reais”, disse o deputado petista, um valor extremamente expressivo considerando a situação financeira do estado e a enorme demanda pela ampliação e qualificação de serviços públicos básicos.

Isso não foi suficiente, porém, para sensibilizar o Tribunal de Contas do Estado que, no dia 11 de abril, recusou suspender o pagamento do auxílio-moradia para os juízes estaduais até que seja julgada a legalidade do benefício.

Apenas o conselheiro Estilac Xavier votou pela suspensão, mas foi derrotado pelo voto dos conselheiros Adroaldo Loureiro, Algir Lorenzon, Iradir Pietroski e Marco Peixoto.

O Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul (Sindjus/RS) defendeu, na audiência pública, a ampliação do debate público sobre o tema para que a sociedade possa se manifestar. Osvaldir Rodrigues, diretor da entidade, rebateu assim a posição da Ajuris que considerou a realização da audiência público um “motivo de constrangimento”.

De fato, é mesmo, numa sociedade com a carência de serviços públicos de qualidade como a brasileira. Rodrigues lembrou ainda que as decisões salariais dos servidores sempre são objeto de intenso debate público. “Por que os magistrados não se submetem ao debate sobre o pagamento destas verbas?”.

“Furaram a fila”

Outro crítico da medida, o deputado federal Marchezan Júnior (PSDB-RS), disse que os magistrados “furaram a fila”, ao se autoconceder o pagamento do auxílio-moradia, quando há cerca de 30 mil famílias aguardando pagamento de seus precatórios no Rio Grande do Sul.

Esses 750 milhões de reais que estão sendo pagos aos magistrados, comentou ainda o parlamentar, “são mais do que os 85 milhões de reais previstos para melhorias nos presídios, ou que os 29 milhões dedicados ao programa Primeira Infância Melhor, ou, ainda, aos 70 milhões de reais destinados à ampliação do Saúde da Família no RS”.

Esse dinheiro também poderia ser usado, para usar um exemplo mais concreto, para resolver a situação caótica do Presídio Central de Porto Alegre.

Aliás, no final de abril, a Ajuris anunciou que pretende entrar com uma representação na Corte Interamericana dos Direitos Humanos contra o Estado do Rio Grande do Sul em função da situação crítica desse presídio.

O STF também poderia aproveitar a maré progressista que parece ter se instalado na casa nos últimos meses para refletir sobre como o Judiciário poderia contribuir um pouco mais para o fim de privilégios a setores já favorecidos e a superação de desigualdades sociais históricas do país.

 

Marco Weissheimer é colaborador do jornal Extra Classe.

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