Ilustração: Ricardo Machado
Ilustração: Ricardo Machado
Pra ela não importa se sou montanha, gente, tronco, terra,
perambula sobre minha pele e não erra.
Parece ter aonde ir, sou só um atalho pra ela, um caminho,
um modo íngreme de chegar, uma vez que ela me sobe.
A formiguinha inocente quase me morde
com seu olhar que não vejo,
mas que farejo pela direção.
Deve ter lá seus dentes, seus recursos para
extrair do mundo as tais vitais necessidades,
mas me escala sem compromisso e
sem acionar seus dotes de caça.
Apenas por mim passa e como não lhe interesso,
passa sem pressa sem descobrir quem eu sou.
Sem que ela diga nada,
sei que a conjugação do verbo ir da formiguinha é vou.
Passeia em mim na tarde despretendida.
Fico imóvel de propósito;
eu superfície dela,
ela, animada e valente entre a selva dos pêlos dos meus braços,
se desviando como pode dos abisminhos dos poros.
Fico quieta só pra lhe ser estrada e plateia sem que ela perceba.
Ela não sabe,
sou por dentro, agora, uma flor esperando quem me colha.
Sou-lhe obstáculo, pedra, passagem e paisagem,
e ainda bem que não sou folha.