OPINIÃO

Os ingredientes da crise da dívida europeia

Por Marco Weissheimer / Publicado em 23 de junho de 2013

A crise na Europa se chama dívida, e a dívida é hoje a maior fonte de lucro e de rendimento da finança globalizada, que impõe o seu pagamento para reaver as perdas de 2007-2008. Embora as análises de Francisco Louçã sejam rigorosas e muito claras, elas são estranhamente ignoradas por boa parte dos dirigentes partidários e mesmo dos representantes da social-democracia europeia atual, que de social- democrata pouco tem. O professor universitário, economista e dirigente do Bloco de Esquerda de Portugal é autor de vários livros, dentre eles, a Dívidadura, o mais recente, escrito com Mariana Mortágua, no qual analisa o verdadeiro sistema de endividamento em que se converteu a imposição da Troika, sobre os países membros da União Europeia, com exceção da Alemanha. E a razão por que seu diagnóstico segue ignorado, conscientemente ou não, é que o seu adversário, a finança desenraizada, fictícia e desregulamentada, constitui hoje o maior poder político da história da humanidade.

Louçã esteve em Porto Alegre no dia 21 de maio participando de um debate no Sindicato dos Bancários, promovido pelos mandatos do deputado Raul Pont e da vereadora Sofia Cavedon, do PT. Falou sobre a crise dramática que atinge hoje milhões de pessoas, especialmente em países como Grécia, Portugal e Espanha. E apontou como principal adversário a ser enfrentado o poder financeiro internacional.

O autoritarismo do poder financeiro

Esse poder, que é fundamentalmente político e que atravessa as esferas de deliberação estatais e institucionais, da União Europeia, caracteriza-se pelo autoritarismo. Louçã começou a falar lembrando que, no início do processo de desregulamentação da finança, nos anos 70-80, do século passado, e em função da revolução tecnológica da informática e da internet, defendia-se que o mundo entraria, então, na “era da informação”, na “sociedade da informação”, na qual tudo seria acessível, todas as notícias, em tempo real, a todos. O que se mostrou verdadeiro foi o oposto: a economia se financeirizou de maneira radical, constituindo bolsões de transações desreguladas. Esses bolsões passaram a movimentar 14 vezes o produto interno bruto do planeta, em 2013, cinco anos após o estouro da crise dos derivativos. Isso chega à soma de um quatrilhão de dólares, 65 vezes o que Wall Street movimenta. Para sustentar valor monetário dessa magnitude, é preciso um poder político que não suporta controle e contratação, isto é, limites institucionais e públicos.

A promessa da transparência universal, feita pelos profetas do neoliberalismo, cumpriu-se como a transformação da política em política sombra, numa sociedade também “sombra”. À desregulação da finança especulada, seguiu- se a imposição de uma agenda política voltada à garantia de pagamentos para sustentar a circulação das apostas de que os Estados paguem o que devem. Para pagar o que devem, os Estados e as instituições da União Europeia deverão captar recursos dos seus contribuintes, sobretudo da parte mais frágil e com menos capacidade de resistência. Assim, o título da dívida pública é valorizado na medida em que os especuladores apostarem que Portugal, Grécia ou Espanha, entre outros, cortarão salários, aposentadorias, aumentarão tributos dos assalariados, privatizarão a saúde e retirarão recursos da educação.

Foto: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

A política bloqueada por um centro radical

Esse sistema de finanças sombra, alimentado pelo pagamento de uma dívida impagável e injustificável, tem a sua contrapartida política. O que faz falta na Europa hoje, disse Louçã, além de uma esquerda mais forte, é a existência de um centro mais moderado. Temos hoje um centro absolutamente radical implementando as ditas políticas de austeridade. A política da União Europeia hoje está bloqueada por este centro radical e por seus apoiadores na direita e na social-democracia que não admite qualquer negociação. Todos os hospitais de Madri estão para ser privatizados, exemplificou o economista português. “O discurso da privatização da saúde não procura nenhum consenso, nenhum contrato. As instituições políticas europeias deixaram de ter como função amortecer e negociar conflitos. É uma situação dramática”, assinalou Louçã, lembrando uma frase do escritor inglês Charles Dickens em A história de duas cidades: “Nós vivemos no melhor dos tempos. Vivemos no pior dos tempos”.

Para Louçã, o tema central da esquerda hoje deve ser a dívida. “Precisamos virar o debate da dívida e falar da maior das dívidas. O alvo que importa é o capital financeiro. O capital que lucrou imensamente na privatização de bens públicos, que transferiu, em 2012, 6,6 milhões de dólares/dia para paraísos fiscais, que lucra com o aumento dos impostos sobre o trabalho e o consumo, ao mesmo tempo em que tem reduzido os impostos sobre os seus próprios lucros. Nunca tivemos um poder tão poderoso como o poder financeiro atual.

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