OPINIÃO

Indigno blue

Fraga / Publicado em 15 de setembro de 2013

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Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

O hábito não faz o monge, faz a rotina. Se não foi a costureira do mosteiro que sacou isso, vai ver foi o Levi Strauss, ao criar aquelas calças duronas pros garimpeiros em 1853.

De lá pra cá, não foi a calça de brim que amoleceu, foi o gosto do pessoal.

Ao enfiarem as velhas e customizadas calças azuis e desbotadas, o critério da adequação do vestuário também entra pelo cano: todos vão de jeans à formatura e ao futebol, a velórios e casamentos, a concertos e consertos, visitar amigo no hospital e parente no presídio, do vestibular ao prostíbulo.

O jeans liquidou com o conceito de arrumar- se porque a ocasião é especial. Quem se arrumou com isso foi a indústria de confecção. Ela propagandeia que jeans deixa homens e mulheres prontos pro que der e vier. Para o jeans comprado hoje ou recém lavado e passado, ou encardido por semanas de uso contínuo, todas ocasiões se tornaram especiais. E quando todas as ocasiões são especiais, aí nenhuma é. Ainda mais com jeans cheirando a suor, gordura, gasolina.

Com o jeans fica claro que a pressa é inimiga da arrumação.

O jeans deixa a preguiça dominar o guarda- roupa, todos os lugares dos cabideiros são lugar-comum. Assim, do feirante ao executivo, do neurocirurgião ao estivador, do marceneiro ao maestro, do astronauta ao faxineiro, da top model à cozinheira, do jornalista ao vândalo, entre todos e tantos a igualdade é azul.

Nunca se viu mesmice assim: rasgados, tachados, stoneizados, ajustados ou folgados, azulados ou acinzentados, o mimetismo toma conta da cintura pra baixo. Quadris, coxas e pernas se assemelham na aparência texturizada, uma paisagem costurada pela repetição de moldes e tons. A calçada é uma passarela previsível. O jeans uniformizou os que não usam uniforme.

O jeans ocupa páginas e telas, onde há notícia há jeans: o trem descarrilha e lá se estendem no chão as vítimas, a maioria de jeans. Em meio aos protestos, os manifestantes pacíficos e os saqueadores de vitrines, todos de jeans. Pra fazer cocô na mesa da presidência da câmara dos vereadores do Rio, o militante apenas arriou os jeans. Por toda parte, o fotojornalismo comprova esse absolutismo grosseiro: estuprador e estuprada andam de jeans, assaltante e assaltado vestem jeans, o plantonista do SUS e a imensa fila usam jeans, no crime passional o amante e o marido traído, ambos de jeans. O etc. calça jeans.

Na sociedade massificada, traje varia de cor, ultraje é sempre blue.

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