OPINIÃO

Quando o fracasso sobe à cabeça: a ausência de lucidez na política de drogas

Marcos Rolim / Publicado em 15 de setembro de 2013
"Após décadas de experiência, é evidente que mais polícia, mais prisões, penas mais duras, aumento dos esforços de apreensão, mais publicidade sobre os males das drogas – tudo isto tem sido acompanhado por mais, não menos, viciados; por mais, não menos, crimes e assassinatos; por mais, não menos, corrupção e por mais, não menos, vítimas inocentes" (Milton Friedman)

Ilustração: Pedro Alice

“Após décadas de experiência, é evidente que mais polícia,
mais prisões, penas mais duras, aumento dos esforços de
apreensão, mais publicidade sobre os males das drogas – tudo
isto tem sido acompanhado por mais, não menos, viciados; por
mais, não menos, crimes e assassinatos; por mais, não menos,
corrupção e por mais, não menos, vítimas inocentes”
(Milton Friedman)

Ilustração: Pedro Alice

O mercado internacional de drogas ilegais mobilizou 320 bilhões de dólares em 2005 (Undoc, 2007). Para se ter uma ideia do que isto significa, bastaria lembrar que, no mesmo ano, o tráfico de armas envolveu 1 bilhão de dólares. O faturamento do tráfico de drogas é maior do que o PIB de 88% dos países do mundo. A venda de drogas, medida ao preço de atacado, foi maior do que o total das exportações agrícolas da América Latina (U$ 75 bilhões) e do Oriente Médio (U$ 10 bilhões), em 2003. O Programa de Controle de Drogas das Nações Unidas (United Nations International Drug Control Program UNDCP) estimou, no ano 2000, que o número de usuários de drogas ilegais no mundo deveria se situar em torno de 180 milhões de pessoas (o que significava 4,2% da população mundial maior de 15 anos). Deste total, 144 milhões eram consumidores de maconha. Desde 1970, na esteira da política conhecida como “Guerra às Drogas” (War on Drugs), iniciada pelo governo Nixon nos EUA, a grande maioria dos países apostou alto na repressão ao tráfico. Os resultados mais concretos das políticas proibicionistas, entretanto, não foram a redução do consumo de drogas ou dos negócios ilegais, mas o aumento exponencial da população carcerária, o agravamento da violência letal e a disseminação da corrupção. Em todos os países que seguiram este rumo, os sistemas penitenciários explodiram, as taxas de homicídio crescerem vertiginosamente e segmentos das próprias polícias e de outras agências do Estado se tornaram sócios do tráfico, atuando como forças infiltradas a serviço do crime organizado.

Ao mesmo tempo, a experiência internacional demonstra que, mesmo quando proibidas, as drogas seguem alimentando um mercado pujante. Quem quer drogas irá encontrá- las e quem quer vendê-las encontrará seu público. Neste particular, a síntese do conservador economista americano Milton Friedman parece cada vez mais verdadeira: “Após décadas de experiência, é evidente que mais polícia, mais prisões, penas mais duras, aumento dos esforços de apreensão, mais publicidade sobre os males das drogas – tudo isto tem sido acompanhado por mais, não menos, viciados; por mais, não menos, crimes e assassinatos; por mais, não menos, corrupção e por mais, não menos, vítimas inocentes”.

Desde um ponto de vista histórico, é irônico que o proibicionismo tenha sido o caminho proposto pelos EUA, país que havia experimentado a receita por 13 anos com a desastrada “Lei Seca”. Em 1920, a 18ª emenda à Constituição americana estabeleceu a proibição da fabricação, do comércio, do transporte, da exportação e da importação de bebidas alcoólicas. O governo acreditava que o álcool era a fonte de todos os problemas sociais e que a proibição reconduziria a população à virtude. Quando da proibição, o reverendo Billt Sunday fez uma previsão: “O reino das lágrimas acabou. As favelas serão, em breve, apenas memória. Nós iremos transformar nossas prisões em fábricas, armazéns e silos. Os homens caminharão eretos, as mulheres irão sorrir e as crianças, gargalhar”. Os resultados, como se sabe, foram muito diferentes. A ilegalidade criou o tráfico de bebidas, estruturando a máfia nos EUA; as prisões foram superlotadas, as polícias foram corrompidas e as taxas de violência bateram todos os recordes. A ilegalidade do álcool ainda agregou novos problemas à saúde pública, criando o espaço para que produtores inescrupulosos vendessem álcool metílico, o que produziu cerca de 30 mil mortos e mais de 100 mil casos de lesões permanentes como cegueira e paralisia.

No caso brasileiro, chama a atenção que nossos políticos sigam falando em “combater o tráfico de drogas” como se houvesse algum discernimento na tarefa de secar gelo. Apostando na ausência de reflexão e na demonização das drogas, os “senhores da guerra” escondem o fato de que os efeitos agregados pelo tráfico de drogas são muito mais danosos do que os efeitos danosos de todas as drogas ilegais somadas. Enquanto seguimos exigindo doses maiores de uma política que fracassou de forma retumbante, o mundo se movimenta em busca de alternativas e debate reformas sem concessões ao moralismo e à hipocrisia. Para citar apenas dois exemplos, Portugal comemora os resultados positivos de sua política de descriminalização de drogas de 2001 e o Uruguai se prepara para colocar em curso o mais audacioso programa de intervenção no mercado de drogas, estabelecendo regras para a produção e o consumo de maconha. Em experiências do tipo, o paradigma que estrutura as políticas públicas é o da redução de danos. Drogas devem ser evitadas e podem oferecer riscos sérios aos usuários. Proibi-las, entretanto, não é a solução, mas parte do problema. No Brasil, a maioria não parece disposta a reconhecer isto e segue optando pela “ampliação dos danos”. A parte mais impressionante de nossa crise política, aliás, ao que tudo indica, deriva do fato de seguirmos permitindo que, para todos os temas polêmicos, o fracasso suba sempre à cabeça.

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