A guerra dos agricultores gaúchos contra a Monsanto
Foto: Jonas Oliveira/ANPr
Foto: Jonas Oliveira/ANPr
O debate sobre as implicações ambientais e econômicas do cultivo de organismos geneticamente modificados tem andado meio soterrado por uma onda de um suposto consenso que teria se estabelecido em torno dessa criação tecnológica. Mas, volta e meia, uma decisão de governos ou da Justiça traz à tona algum dos muitos problemas que cercam o plantio de transgênicos. Um dos mais recentes ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o Tribunal de Justiça do Estado deu ganho de causa à Monsanto em uma ação movida por entidades de trabalhadores rurais gaúchos contra a cobrança de royalties por parte da empresa. Os agricultores pleiteavam, entre outras coisas, um ressarcimento de aproximadamente R$ 15 bilhões por royalties que teriam sido cobrados pela empresa de forma abusiva.
Sindicatos consideram cobrança ilegal e abusiva
No dia 24 de setembro, por dois votos a um, a 5ª Câmara Cível do TJ-RS atendeu recurso da Monsanto para que ela possa voltar a cobrar royalties dos agricultores que cultivam soja transgênica. A decisão reformou o julgamento de 1º grau, de 2012, que havia suspendido a cobrança também de taxa tecnológica ou indenização, reservando aos agricultores o direito de vender a produção como alimento ou matéria-prima.
A ação coletiva contra a Monsanto do Brasil e a Monsanto Technology LLC foi movida pelo Sindicato Rural de Passo Fundo, Sindicato Rural de Sertão, Sindicato Rural de Santiago, Sindicato Rural de Giruá, Sindicato Rural de Arvorezinha e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do RS (Fetag). As entidades dos agricultores contestaram “os procedimentos adotados pela empresa, impedindo-os de reservar cultivares transgênicos para replantio e comercialização, além da proibição de doar e trocar sementes dentro de programas oficiais e cobrar de forma arbitrária, ilegal e abusiva royalties sobre sementes e grãos descendentes da chamada soja Roundup Ready (RR)”.
Além disso, os agricultores gaúchos acusaram a empresa de violar a Lei de Cultivares (Lei nº 9.456/97) que “permite a reserva de grãos para plantios subsequentes sem pagamento de nova taxa de remuneração à propriedade intelectual, sendo inaplicável a incidência da propriedade industrial (Lei nº 9.279/96), cujas patentes registradas são eivadas de nulidades”. E solicitaram o “reconhecimento do direito dos pequenos, médios e grandes sojicultores brasileiros, de reservar o produto de cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização; garantia de cultivar a soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais”.
Divergência no tribunal
A relatora da ação, a juíza Maria Cláudia Cachapuz, votou pela reforma da sentença e improcedência da ação coletiva dos agricultores. A magistrada considerou que a “interpretação mais correta da Lei de Patentes acerca dos casos de propriedade intelectual esclarece que estão protegidos tanto o produto que é objeto direto da patente como o processo ou o produto de uma intervenção humana por técnica de transgenia e que abranja todas as características próprias à proteção, inclusive quando isso ocorra sobre uma cultivar”. “O debate proposto é referente ao produto da soja transgênica, para a qual é identificada a situação de proteção específica e comprovada – ao menos até 31/08/10 – por meio de carta-patente. Não há, portanto, como se pretender a aplicação de disposições normativas da Lei de Proteção Cultivares para o caso em comento”, argumentou. A juíza também considerou não haver abuso em relação ao percentual (2%) de royalties estabelecido, sendo esse proporcional à prática de mercado internacional.
Voto vencido na decisão, o desembargador Jorge Luís Lopes do Canto discordou da posição da relatora e defendeu que o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), de 1994, resguarda o chamado privilégio do agricultor. “O legislador optou por consagrar o direito do pequeno agricultor de reservar e plantar semente de uso próprio, assim como usar ou vender como alimento ou matéria-prima o produto obtido do seu plantio, bem como o direito de multiplicar sementes, para doação ou troca”, observou.
Na avaliação de Jorge Luís Lopes do Canto, diante do conflito de normas especiais deve prevalecer o interesse social sobre o interesse meramente privado: “É indispensável se garantir o direito ao livre plantio, garantindo a segurança alimentar e o interesse envolvido, e evitar-se a taxação indiscriminada decorrente da cobrança dos royalties, em evidente abuso de direito”.
Mas a sua posição acabou derrotada. As entidades de trabalhadores rurais vão recorrer da decisão.