O menino estava mergulhado num dos volumes de Mil Histórias Sem Fim. Adorava Malba Tahan e tinha perdido a conta de quantas vezes havia relido os dois exemplares. Sabia de cor cada episódio e mesmo assim o prazer se renovava. Era como se cada página seguinte ainda pudesse surpreender o menino de 9 anos. E ao virar a página que lia, surpresa: a página 46 não estava lá. O que havia era uma ilustração que nunca vira antes ali.
Ilustração: Sica
Ilustração: Sica
Na ilustração, um menino da mesma idade que ele mostrava um livro que lia para um leitor, que no caso podia ser o próprio menino que adorava Malba Tahan. E na página mostrada na ilustração, lá estava um texto, em corpo menor. O menino aproximou a página do seu livro pra tentar ler a página no livro da ilustração: dava pra ler, sim, até confirmou que a página também era a 46. Ansioso para conferir para onde seguia aquele mistério, o menino começou a ler a nova história.
Era sobre outro menino, parecido com ele, com um livro cheio de ilustrações. Em cada ilustração, bastava uma lupa bem poderosa para ler o texto que havia dentro da página dentro da página, e assim por diante. Sabe a latinha do fermento Royal, onde no rótulo se vê uma outra latinha dentro de um círculo, e outra além? Puizé, no livro havia esse infindável recurso gráfico. Lá pela terceira página dentro da outra, aparecia um contador de história. E ele, em vez de contar alguma narrativa, se ocupava dos detalhes das ilustrações.
Num dos desenhos, um menino rasgava uma página de livro, que flutuava no ar. Ao examinar de perto o recorte voando, o menino viu outro menino com outro livro. Fechado. O leitorzinho pegou um microscópio e focou na capa ilustrada. Lá num cantinho, um menino dormia abraçado a um livro aberto. No único parágrafo visível da ilustração, se lia sobre um vendedor de histórias instantâneas. Bastava pagar e ele rabiscava um papelzinho e entregava ao novo leitor, o que incluía uma minúscula vinheta. E na vinheta, espremendo bem os olhos, se via um cartazinho. Nele era possível ler Malba Tahan, Mil Histórias Sem Fim.
Na parte debaixo das letras anunciando as histórias, tinha um desenhinho com um menino enfiado num dos volumes. Na leitura, o menino estava admirando uma página que não era normal, era simplesmente um texto pra ser lido. Era uma página onde aparecia, estranhamente reduzida e meio enviesada, outra página. Dava pra ler: 46.
Para o meu amigo Juan Luis Roldán Calzado, editor em Madri do intrigante blog Espejo Lúdico.