A margem de erro nos hospitais é como uma espécie de superbactéria na eficiência dos serviços. Por isso amputam membros sãos, confundem medicamentos ou suas dosagens, e pacientes recebem na veia o que era pra ser oral. Diagnósticos enviesados apontam causas inexistentes ou nem as imaginam. Prognósticos esperançosos acabam no cemitério ou gente desenganada sobrevive à certeza de juntas médicas. De onde vem a margem de erro hospitalar? Das faculdades de Medicina.
Ilustração: Rafael Sica
Ilustração: Rafael Sica
O mais leve que o ar, como dirigíveis, tem margem de erro menor que o mais pesado que o ar, como jumbos de 500 assentos. Porque, enquanto a margem de erro difere nas estruturas dos aparelhos, a margem de erro humana é igual em qualquer um: equipamentos mecânicos ou eletrônicos até resistem a ameaças, porém a falha humana é sempre acima do 0%, sobretudo acima das nuvens.
Das delegacias e dos tribunais, a margem de erro chega ao sistema prisional, levada pela mão por julgamentos injustos ou justos demais, que são conduzidos por retratos falados com traços alheios, por cálculos inexatos da balística ou deduções errôneas da criminalística, ou das falsas verdades de um detector de mentiras. Essa mesma margem de erro também deixa soltos autores de crimes hediondos porque o réu é primário: trucidou 4 ou 5 inocentes duma vez só pela primeira vez. E antes, a condenação equivocada levava à forca e à guilhotina, que não têm margem de erro; agora leva à câmara de gás, com erro volátil e letal, como nas execuções com injeções.
Nos ensopamos nos temporais porque a margem de erro ao se olhar o céu seminublado é toda nossa, embora tantas vezes seja da meteorologia cada vez mais confiável. Mas tufões sem aviso e granizo repentino ou enxurrada além das previsões sempre ocorrerão. Nesses casos, a margem de erro é como um guarda-chuva esquecido no táxi: a gente se conforma.
Já num delicado suflê, a margem é muito mais elevada que num hambúrguer na chapa; em contraste comparativo, os ingredientes de cultivo orgânico tem menos margem de erro, enquanto a procedência da carne processada oferece maior risco. Por mais experiência ou treino que chefs, garçons ou donas de casa tenham, a desatenção nos arredores da culinária é crucial: só boca fechada não tem margem de erro, mas é um erro 100% fatal não ingerir nada. Tentamos todos escapar da margem de erro, seja diante de casamentos ou eleições, na contagem do troco ou avaliação das probabilidades. Mas a vida não tem GPS – que de nada serve em mãos desnorteadas.