OPINIÃO

A ameaça da “bancada da bala”

Por Marcos Rolim / Publicado em 11 de junho de 2015

Onde é mais provável que uma pessoa seja assassinada, dentro de uma prisão ou fora de uma prisão? No Brasil, sabemos que motins e conflitos entre facções criminais produzem cenas de horror como os decapitados em Pedrinhas, no Maranhão, em 2014. Há, ainda, os casos de assassinatos por encomenda, como o ocorrido recentemente no RS, com o preso Cristiano Souza da Fonseca, o Teréu, morto no refeitório do Presídio de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).

As condições de execução penal em nosso país, como se sabe, são degradantes e envolvem a prática ilegal do encarceramento coletivo. Ao invés de celas individuais como prevê a legislação, temos galerias abarrotadas com centenas de presos que ocupam inclusive corredores e banheiros.

Em tais condições, os riscos à integridade física das pessoas aumentam exponencialmente. É preciso considerar, ainda, que, entre os presos, há um percentual significativo de indivíduos mais predispostos à violência e também mais ameaçados do que a média da população em liberdade. Isto nos autoriza a concluir que há mais probabilidade de homicídios dentro de um presídio do que nas ruas? Se tivermos em conta os dados disponíveis, a resposta é não.

Para os Estados Unidos, por exemplo, a taxa média é de quatro a sete homicídios para cada 100 mil habitantes. Nas prisões, entretanto, é de três homicídios para cada 100 mil detentos. Não temos dados confiáveis no Brasil e, provavelmente, há subnotificação de mortes violentas nas prisões, mas, ainda assim, em muitas cidades pelo menos as pessoas não estão mais seguras em liberdade do que na cadeia. Em 2013, tivemos 218 homicídios em presídios brasileiros.

Naquele ano, a população carcerária era de 576 mil pessoas, o que nos dá uma taxa de 37,9 homicídios para cada 100 mil presos; 16 capitais brasileiras possuem taxas de homicídio superiores a estas. No mesmo ano, alguns estados (RS, DF, MT, e MS) tiveram taxa zero de homicídios em presídios.

Para Jeff McMahan, um dos mais importantes filósofos morais contemporâneos, o fato dos presos não possuírem armas de fogo é uma das razões pelas quais as taxas de homicídio nas prisões não são altas como se poderia esperar. Seus argumentos estão no texto A Challenge to Gun Rights (algo como: “Um desafio ao direito às armas de fogo”), publicado no blog de filosofia prática (ética) da Universidade de Oxford.

Ele lembra que 30 pessoas são mortas a cada dia nos EUA com armas de fogo, sem contar os suicídios. Além das mortes, há centenas de casos diários de feridos com armas de fogo que terão sequelas permanentes. As proposições em favor de um maior controle sobre a venda e o porte de armas de fogo, entretanto, não conseguem prosperar entre os americanos.

Há convicções e interesses que explicam este bloqueio, claro. A maioria dos americanos acredita que a possibilidade de dispor de um arsenal doméstico, inclusive fuzis e armas automáticas, lhes ofereça mais segurança. Lá como aqui, pesquisas demonstram exaustivamente que a reação armada a um assalto, por exemplo, produz chances muito maiores de morte entre os que reagem quando comparadas aos que não reagem (189 vezes mais chances, segundo estudo do Iser no RJ).

Os dados mostram que mais pessoas são mortas fulminadas por raios nos EUA do que bandidos são mortos por disparos de civis em crimes tentados (os interessados nas fontes e no tema podem acessar meu livro Desarmamento evidências científicas, disponível gratuitamente para download. Bem, mas as pessoas não costumam formar sua opinião sobre segurança tendo em conta evidências científicas.

Neste como em outros temas, preconceitos e medos costumam ser mais operantes. A “Bancada da Bala”, frente parlamentar de extrema direita formada por políticos ligados à indústria de armas, ex-policiais e militares, aposta nisso. Eles pretendem facilitar a compra de armas de fogo, aumentar o limite legal de seis para nove armas por pessoa, revogar a possibilidade de perda de porte caso o dono esteja embriagado com uma arma, derrubar a obrigatoriedade de testes periódicos de aptidão, elevar o limite de compra de 50 para 600 munições anuais e reduzir de 25 para 21 anos a idade mínima para solicitar porte.

Uma receita infalível para aumentar a violência letal e permitir que mais armas adquiridas legalmente terminem parando nas mãos de bandidos (sempre é bom lembrar que não existe uma fábrica que produza armas para criminosos. Todas as armas usadas pelo crime foram, um dia, vendidas legalmente para alguém).

No Brasil, segundo estudo minucioso do Ipea (2013), o número de homicídios praticados com armas de fogo caiu 12,6% em dez anos, desde a vigência do Estatuto que estabeleceu restrições à compra a ao porte de armas. É exatamente esta conquista que a demagogia e a boçalidade pretendem derrotar.

* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe

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