OPINIÃO

Sartori e o que é “importante para a vida das pessoas”

Publicado em 9 de outubro de 2015

O principal símbolo dos primeiros nove meses do governo José Ivo Sartori (PMDB) foi o parcelamento dos salários dos servidores públicos estaduais. Por dois meses seguidos, o Palácio Piratini pagou os salários parcelados e ameaçou prolongar esse procedimento, numa tática que pressionou os deputados a aprovar o que o governador mais queria: o aumento do ICMS. Um aumento que, em virtude de uma exigência do PDT para votar a favor, valerá apenas para os três próximos anos do governo Sartori. O prometido ajuste estrutural da matriz tributária foi reduzido aos limites da atual gestão, já antecipando o primeiro problema para o governo que se eleger em 2018. Os primeiros 270 dias de gestão de Sartori chegaram ao final de setembro com uma promessa de pagamento em dia do salário do funcionalismo nos próximos dois meses, graças à ampliação do limite de saque dos depósitos judiciais para 95%. O dinheiro resultante do aumento de impostos só começará a ingressar nos cofres do Estado em fevereiro de 2016.

Governo Sartori parcelou salários como tática para pressionar aprovação do aumento do ICMS

Foto: Igor Sperotto

Governo Sartori parcelou salários como tática para pressionar aprovação do aumento do ICMS

Foto: Igor Sperotto

A tática utilizada pelo governo Sartori para aprovar seus primeiros projetos na Assembleia Legislativa teve um custo político. O maior deles foi o fechamento do Parlamento durante mais deuma sessão, com o uso de tropas da Brigada Militar, por conta do acirramento da relação com os servidores públicos. O dia da votação do reajuste de impostos foi marcado por uma cena que há muito tempo não se via no Rio Grande do Sul: o confronto entre policiais militares, que também sofreram com o parcelamento de salários, professores e outras categorias do funcionalismo público.

A tensão provocada pelo cerco da Assembleia pela Brigada Militar alimentou o conflito que resultou em servidores atingidos por cassetetes e três professores detidos. Mesmo com toda essa “proteção” do lado de fora da Assembleia, o tarifaço foi aprovado com apenas um voto de diferença. Os deputados da base governista comemoram a declaração de voto favorável ao aumento de impostos do deputado Mário Jardel, como se fosse um gol de final de campeonato, metáfora aliás utilizada pelo ex-centroavante hoje parlamentar.

Após a aprovação do tarifaço, o governo Sartori irá decolar, finalmente? A julgar pelas palavras do próprio governador, ainda não. A crise é muito grave, repete Sartori, anunciando que serão necessárias outras medidas de ajuste, entre elas, a extinção de fundações, a eventual privatização de outros órgãos estatais, o congelamento de salários e investimentos.

Os riscos que ameaçam a tática do governador
Considerando o êxito na aprovação do aumento de impostos na Assembleia, a tática de Sartori pode ser considerada bem-sucedida, mas ela não é livre de riscos. A questão que paira sobre o Palácio Piratini é: um governo pode, sob o pretexto de enfrentar a crise financeira do Estado, abalar alguns dos pilares que definem a própria função do Estado e que se traduzem na prestação de serviços públicos de qualidade à população? Sempre um tema muito sensível à população, a crise na segurança pública ilustra bem esse dilema. Nas últimas semanas, o Rio Grande do Sul assiste a um aumento assustador da criminalidade.

O paralelo é imediato. O governo Sartori congelou investimentos e gastos de custeio rotineiros como o pagamento de diárias e horas extras para os servidores da segurança. A expressiva diminuição do policiamento nas ruas teve como reflexo imediato o aumento exponencial da criminalidade. A região Metropolitana de Porto Alegre vive, em especial, um clima de guerra nas últimas semanas, com uma série interminável de assaltos, roubos, homicídios, latrocínios, execuções, arrastões, queimas de ônibus e outros tipos de crimes. Diante desse cenário de guerra fica a pergunta: é lícito a um governante desmontar um serviço público essencial como é o da segurança pública para salvar o estado de uma “crise humanitária”, expressão que vem sendo usada pelo governador? A mesma pergunta se aplica a outros serviços essenciais como saúde e educação.

Na campanha eleitoral, Sartori anunciou que iria conter os gastos, mas não explicou como faria isso. Prometeu apenas que iria cortar as coisas inúteis, “uma viagenzinha em demasia, etecetera daqui, etecetera de lá”. “Não pode se mexer naquilo que é importante para a vida das pessoas”, afirmou o então candidato Sartori. Pois nada mais importante para a vida das pessoas que… a vida das pessoas, para usar um estilo de linguagem caro ao governador. Nestes primeiros nove meses de governo, a vida dos servidores e a da população em geral foi tomada por incertezas, angústias e inseguranças. O governador promete fazer o “dever de casa” custe o que custar. Mas, não parece demasiado perguntar: em que medida os limites deste custo ameaçam “aquilo que é importante para a vida das pessoas”?

 

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