OPINIÃO

Golpe: entre a consolidação e a ruptura social

Publicado em 12 de agosto de 2016

A dificuldade em perceber que o centro daquilo que está ameaçado é a democracia e um conjunto de direitos conquistados arduamente nos últimos anos só ajuda Temer a tentar normalizar o verdadeiro estado de exceção instituído no país.

Escola sem partido, fim do ensino superior público e gratuito, cortes de bolsas de estudo e do programa Ciência Sem Fronteiras, desativação progressiva do Programa Mais Médicos, revisão de demarcação de terras indígenas e quilombolas, liberação da compra de terras para estrangeiros, “modernização” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): desde o início do governo interino de Michel Temer, seus integrantes e apoiadores começaram a defender explicitamente o que, até então, não tinham coragem para fazer. A “Ponte para o Futuro”, prometida por um documento do PMDB em 2014, foi se revelando aos poucos uma ponte para o passado, que, caso concretizada, fará o país retroceder algumas décadas em termos de direitos humanos, sociais e trabalhistas. Derrotada nas urnas, nas últimas eleições presidenciais, essa agenda ultraliberal tenta agora se consolidar no país por meio de um processo golpista contra a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Golpe: entre a consolidação e a ruptura social

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

A presidente Dilma Rousseff em Aracaju, no dia 25 de julho deste ano: movimento contra
o golpe e defesa da democracia carece de maior unidade

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Uma das condições fundamentais para a construção da ponte para o passado é, justamente, a desqualificação da palavra “golpe”. Não é por acaso que, nas últimas semanas, os braços midiáticos de Temer e seus aliados promovem um bombardeio diário nos meios de comunicação para tentar “suavizar” o que está acontecendo no Brasil. Apostam em um processo de “normalização” que vem sendo alimentado diariamente na tentativa de criar um suposto “fato consumado”, o qual seria o afastamento definitivo de Dilma Rousseff. Além disso, apostam que esse clima de “normalização” e resignação alastre-se também entre os combatentes do golpe. As massivas manifestações de rua para denunciar o governo ilegítimo de Temer diminuíram de intensidade nos meses de junho e julho, o que também contribuiu para a alimentação desse clima. O que não diminuiu foi o processo de criminalização de movimentos sociais, especialmente do campo e de luta por moradia, e estudantis.

Outro fator que parece colaborar para essa lógica da normalização é a aproximação da agenda das eleições municipais deste ano. Aliados até há bem pouco tempo na denúncia do golpe nas ruas começaram a trocar farpas e ofensas nas redes sociais, como se o centro da conjuntura neste momento fosse, por exemplo, a disputa entre o PT e o PSOL nas eleições municipais. Há quem ache que seja mesmo, obviamente. Em páginas nas redes sociais convocando eventos contra o golpe, disputas eleitorais diretamente ligadas ao pleito deste ano começaram a minar a unidade que, até recentemente, garantiu mobilizações massivas nas ruas. O fato é que os dias foram se passando, e a unidade contra o golpe e em defesa da democracia começou a ser minada por esse conjunto de fatores.

A dificuldade em perceber que o centro daquilo que está ameaçado é a democracia e um conjunto de direitos conquistados arduamente nos últimos anos só ajuda Temer a tentar normalizar o verdadeiro estado de exceção instituído no país, com a tentativa de afastamento da presidente eleita pelas urnas por um processo de impeachment em que não existe o necessário crime de responsabilidade. No dia 14 de julho, o procurador da República no Distrito Federal, Ivan Marx, concluiu que as chamadas pedaladas fiscais não configuraram crimes e pediu o arquivamento da investigação aberta para apurar possível infração penal de autoridades do governo Dilma.

No dia 20 de julho, nove especialistas internacionais em direitos humanos concluíram, no Tribunal Internacional sobre a Democracia no Brasil, realizado no Rio de Janeiro pela Via Campesina, Frente Brasil Popular e Frente de Juristas pela Democracia, que o processo de impeachment contra Dilma é, na verdade, um golpe ao Estado democrático de direito, que deve ser declarado nulo em todos os seus efeitos. Segundo a sentença, a qual será encaminhada aos senadores e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o processo em curso “viola todos os princípios do processo democrático e da ordem constitucional brasileira”. A decisão não tem força de lei, mas reforça a denúncia internacional da ilegitimidade do governo Temer.

Em entrevista concedida ao jornal mexicano La Jornada, publicada no dia 24 de julho, Dilma Rousseff advertiu para as consequências imprevisíveis da estratégia golpista: “Você pode esconder as coisas, mas, em última análise, um golpe é um golpe. Ninguém pode acreditar que alguém dá um golpe e tudo é como era. Ninguém pode supor que esses processos ilegítimos não deixam marcas. O que estamos enfrentando é uma imagem de tranquilidade aparente que, mais cedo ou mais tarde, acabará por rebentar, porque você não pode sustentar indefinidamente a ocultação da realidade, e a realidade é o golpe”, afirmou. O mês de agosto deixará mais claro o que aguarda o Brasil do outro lado da ponte que está atravessando.

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