As respostas violentas oferecidas por policiais nas ruas tendem a aumentar o número de mortos, não apenas entre os suspeitos, mas também entre os policiais. Uma dinâmica que se retroalimenta e que irá produzir, necessariamente, vítimas inocentes.
Em 2005, elaborei, a pedido do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o “Guia para a prevenção do Crime e da Violência” (disponível aqui). A ideia foi a de oferecer aos gestores municipais uma referência básica que estimulasse a elaboração de diagnósticos e planos de segurança. Já era evidente, então, a tendência a que as cidades passassem a lidar com o tema da Segurança Pública, tarefa equivocadamente concebida como atribuição exclusiva dos estados. O que se delineava era o protagonismo de vários municípios e, em alguns deles, resultados surpreendentes foram alcançados, particularmente com medidas inteligentes na área da prevenção.
Foto: Marcelo Camargo/Abr
Um dos casos mais conhecidos foi o de Diadema (SP), que havia sido, por muito tempo, uma das cidades mais violentas do Brasil. Ao final dos anos 1990, Diadema alcançou a taxa de 102,8 mortes para cada 100 mil habitantes. A partir da intervenção da prefeitura, as taxas despencaram. Em 2011, a cidade teve 9,52 homicídios para cada 100 mil habitantes Entre as inúmeras iniciativas, todas a partir de diagnósticos firmados com base em evidências científicas, destacou-se a política de controle do abuso de bebidas alcoólicas. O georreferenciamento das ocorrências criminais – um recurso simples que permite visualizar em um mapa as ocorrências e suas áreas de concentração, com as variáveis programadas (tipos penais, horários, dias da semana, etc) – identificou que 49,5% dos homicídios ocorriam entre 21h e 6h e nas proximidades de bares. Essa informação deu origem à lei que determinou o fechamento dos bares às 23h.
A experiência de Diadema não deve ser simplesmente transposta, porque em cada município – e mesmo em cada bairro – as dinâmicas criminais e violentas podem ser muito diferentes. O decisivo aqui é o diagnóstico a ser produzido em cada território e as medidas correspondentes. O fato é que o balanço do que tem ocorrido em muitas cidades brasileiras ilustra as possibilidades abertas para se pensar políticas de Segurança de uma forma mais efetiva.
No Brasil, este debate tem sido constrangido pelo medo, por um lado, e pela incapacidade dos gestores que reduzem todos os desafios ao papel a ser desempenhado pelas polícias. Em verdade, a escolha a ser feita não é entre prevenção e repressão, mas entre duas racionalidades possíveis. Pela primeira delas, a mais tradicional, se aposta no “enfrentamento ao crime”, o que se traduz em respostas normalmente violentas e em muitas prisões. Assim, se imagina, o Estado daria a resposta devida à criminalidade e cumpriria a promessa dissuasória do Direito Penal. Aqueles dispostos a transgredir saberiam que isto poderá lhes custar a vida ou, pelo menos, muitos anos dela.
Esta convicção costuma colher resultados diametralmente opostos aos pretendidos. Quando passamos a encarcerar milhares de pessoas, grande parte delas por crimes patrimoniais ou por tráfico de drogas, os presídios ficam superlotados. Os presos, então, passam a ser alojados em galerias (prisões coletivas) e não em celas. Por decorrência, o critério operante para a separação dos internos é o pertencimento a facções criminais. Nessa dinâmica, o Estado se converte em organizador do crime. As respostas violentas oferecidas por policiais nas ruas, por seu turno, tendem a aumentar o número de mortos, não apenas entre os suspeitos, mas também entre os policiais. Uma dinâmica que se retroalimenta e que irá produzir, necessariamente, vítimas inocentes.
A outra racionalidade parte do pressuposto de que a luta contra o crime e a violência precisa da repressão, até mesmo para garantir direitos básicos, mas sabe que a batalha decisiva é travada na identificação dos fatores de risco e nos agenciamentos que tornam o crime mais provável. Nesta chave, deve-se priorizar a investigação criminal e dirigir a repressão para os responsáveis por crimes dolosos com resultado morte e crimes sexuais. O desafio da prevenção, aqui, é pensado especificamente a partir de evidências colhidas em pesquisas.
Não se trata, portanto, de se repetir fórmulas tão ideológicas (no sentido marxiano, vale dizer: falsas) quanto aquelas produzidas pela vertente conservadora. A ideia de que a simples melhoria na distribuição de renda ou nos indicadores de emprego possa assegurar avanços significativos na redução das taxas criminais é errada duas vezes. Por ela, crime e violência são meros subprodutos da miséria e da desigualdade social. Se isso fosse verdadeiro, como explicar que a esmagadora maioria das pessoas pobres e mesmo daquelas absolutamente excluídas não desenvolva carreiras criminais? E ainda – e aqui o segundo erro – se a criminalidade fosse uma decorrência daqueles fatores, por que nossos ricos seriam tão frequentemente bandidos?
As eleições municipais estão chegando. Eis o momento privilegiado para saber o que pensam os candidatos em nossa cidade. Vamos perguntar?