OPINIÃO

Vendas e Viseiras

Publicado em 13 de outubro de 2016

Em 1950, o professor Harry H. Kelley, da Universidade de Michigan (EUA), realizou um experimento com uma turma de alunos de Economia. Ao chegarem à sala de aula, eles foram informados que o professor havia tido um contratempo e não poderia comparecer; por conta disso, um substituto fora contatado e chegaria em alguns minutos.

Vendas e Viseiras

Imagem: divulgação

Imagem: divulgação

Os alunos não conheciam o substituto, de modo que lhes foi entregue um pequeno texto de apresentação. Na verdade, foram distribuídos dois textos ligeiramente diferentes. No primeiro, um dos parágrafos assinalava:  “O Sr (fulano de tal) é aluno de pós-graduação do Departamento de Economia e Ciências Sociais (…) prestou serviços às Forças Armadas e é casado. As pessoas que o conhecem o consideram muito cordial, esforçado, crítico, prático e decidido”. No segundo texto, toda a biografia é copiada, incluindo esse parágrafo, mas a expressão “muito cordial” foi trocada por “bastante frio”.

Ao final da aula, foi solicitado que os alunos avaliassem o substituto. O que ocorreu, então, foi surpreendente: a maioria dos alunos que havia recebido a apresentação do professor com as palavras “muito cordial” o descreveu como alguém “de bom coração, atencioso, informal, popular, divertido e compassivo”. Já a outra metade da turma, que havia recebido a apresentação com a expressão “bastante frio”, avaliou que o substituto era “egocêntrico, formal, impopular, sem senso de humor e cruel”.

Impressiona que a mesma aula tenha propiciado avaliações tão díspares e tão influenciadas por apenas duas palavras. Essa experiência, conhecida como The Warm-Cold Variable in First Impression of Persons (algo como: A variável quente-frio na primeira impressão sobre pessoas), sugere que nossas avaliações são influenciadas por elementos não racionais e que “rótulos” contam muito. Elementos de natureza emocional e inconscientes estão presentes nesse processo e afetam profundamente nossa cognição.

Quando lidamos com rótulos e com noções preconcebidas, deixamos de reconhecer fenômenos, fatos e características que contrariam nossos pressupostos. Lidamos, assim, com “vendas” e “viseiras” que nos cegam ou diminuem e distorcem nosso campo de visão. Muitos são os experimentos que o comprovam. Brafman e Brafman, em seu livro A Força do Absurdo (Objetiva, 2009), relatam pesquisa realizada na África do Sul com a oferta de empréstimo de 50 mil dólares feita por um banco. A instituição remeteu cartas aos clientes potenciais em diferentes versões. As cartas incluíam juros diferenciados que variavam de 3,25% a 7,75% ao mês. Outros tipos de correspondências mostravam como o empréstimo seria vantajoso tendo em conta os juros cobrados pelos concorrentes e ofereciam brindes como modernos celulares. Por fim, uma das versões apresentava a oportunidade do empréstimo acompanhada por uma foto de um rosto sorridente e simpático de uma mulher ou de um homem. Os resultados demonstraram que o fator mais importante na disposição dos clientes em contratar o empréstimo não foi a taxa de juros, as vantagens diante dos concorrentes, nem os brindes, mas as fotos! Homens que se interessaram pelo empréstimo foram mobilizados mais pela presença da foto de uma mulher bonita, um estímulo que teve o efeito aproximado que se alcançaria com uma redução de 4,5 pontos percentuais na taxa de juros.

Não por acaso, a publicidade lida o tempo todo com um tipo de associação inconsciente que faz com que nosso desejo por algo apareça “conectado” a um produto. Assim, se estimula o consumo do objeto anunciado, mexendo com algo que se situa mais profundamente na estrutura psíquica do sujeito. O truque é utilizado até a exaustão também na propaganda política, onde a imagem dos candidatos é construída a partir da associação com valores disseminados entre o público e com seus afetos básicos. Não por acaso, medo e esperança, por exemplo, são sentimentos básicos em qualquer campanha política.

Uma das promessas da educação é a de permitir que as pessoas sejam capazes de tomar decisões racionais, motivadas por evidências não por sentimentos.  Por óbvio, toda decisão será sempre marcada por sentimentos, porque o humano pressupõe o afetar-se. Há mesmo um tipo especial de decisão – aquela que envolve relações amorosas (de amor sexual, de amor filial ou de amizade) – que costuma se justificar basicamente por emoções. Não se pode dizer o mesmo para a razão das decisões tomadas na esfera pública, sejam elas políticas ou pessoais. Neste campo, será sempre preferível escolher com base em fundamentos racionais, não por afetos. No Brasil, infelizmente, o debate político, as notícias, as opiniões, o voto etc. parecem sempre conduzidos por emoções. Numa realidade assim, não se conformar com as vendas ideológicas e as viseiras dos preconceitos exige, antes de tudo, coragem e paciência.

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