Os projetos encaminhados pelo governo ao Legislativo representam o desmonte de quase todo o sistema de comunicação e pesquisa pública do Estado
O pacote anunciado no dia 21 de novembro pelo governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), representa o desmonte quase que completo do sistema de comunicação e de pesquisa pública do Estado. Os projetos encaminhados pelo governo à Assembleia Legislativa propõem a extinção da TVE, da rádio FM Cultura, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), da Fundação Zoobotânica, da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) e da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), entre outras instituições.
O pacote de extinções atinge praticamente todas as instituições de pesquisa científica do Estado que, na avaliação do governador, não prestam um serviço relevante à população. “Tudo o que não dialogar com o propósito de servir às pessoas não deve onerar os cofres públicos”, disse Sartori ao anunciar as medidas.
O desmonte da TVE e da FM Cultura
No caso da TVE e da FM Cultura, Sartori retomou projeto inacabado do governo Yeda Crusius que cortou drasticamente os investimentos nas emissoras que acabaram sucateadas a um nível que quase provocou sua extinção. As duas emissoras foram recuperadas no governo Tarso Genro com investimentos na melhoria das condições de trabalho dos servidores, na compra de novos equipamentos, abertura de concurso, investimento na produção de conteúdos e retomada do sinal no interior do estado. Segundo assinala o Relatório de Realizações da Gestão 2011-2014 da Fundação Piratini, no período entre 2003 e 2010, foram investidos apenas R$ 515 mil na fundação. Já entre 2011 e 2014, o governo investiu R$ 12 milhões na recuperação e fortalecimento das emissoras públicas.
Esse investimento baseou-se no entendimento de que o fortalecimento da comunicação pública no Rio Grande do Sul era uma condição para o aprofundamento da democracia e para o desenvolvimento social e econômico do estado. Segundo dados da Fundação Piratini, a TVE é a segunda emissora aberta no Rio Grande do Sul, com sinal presente em 70 municípios e potencial de cobertura de 7,4 milhões de pessoas em todo o estado. Em 2014, a TV pública passou a produzir e transmitir seu conteúdo pelo sistema digital. Em 2011, tinha cinco retransmissoras de sinal ativas no estado. Esse número saltou para 40 em 2014. A FM Cultura, por sua vez, é transmitida para 18 cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Foto: Luiz Chaves/ Palácio Piratini
A extinção da memória estatística do estado
No caso da FEE, a sua extinção representa o fim de um acúmulo de décadas de pesquisas e construção de séries estatísticas que servem de base para pesquisas sobre a economia e o desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Hoje, a FEE é responsável pela produção de 25 indicadores e oito publicações produzidas regularmente, com séries históricas, metodologias e qualidade reconhecidas, além de prestar consultoria e assessoria para mais de 30 órgãos do estado, em pelo menos 50 acordos de cooperação técnica. Atualmente, a FEE conta, em seu quadro funcional, com 36 doutores e 93 mestres em diversas áreas do conhecimento.
O fim da pesquisa estadual agropecuária
A Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, por sua vez, trabalha com pesquisas na área de produtos inoculantes, tecnologia que dispensa a utilização de nitrogênio para a adubação de culturas, pesquisas em sanidade animal que atendem demandas das cadeias produtivas ligadas à produção animal no estado, e programas de melhoramento vegetal que já resultaram em mais de 40 cultivares de diversas culturas. Além disso, o zoneamento agroclimático elaborado pela Fepagro contribui para identificar áreas com maior potencial de produtividade e minimizar riscos climáticos. Quase 90% dos recursos de pesquisa agropecuária no RS provêm de editais de agências de fomento e não dos cofres do estado.
“Idade das trevas”
Além dos programas e pesquisas que promove, a Fundação Zoobotânica é detentora de coleções científicas de plantas e animais, atuais e fósseis, que subsidiam pesquisas realizadas por especialistas do Brasil e do exterior. O biólogo Paulo Brack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), definiu essa proposta como um retrocesso inaceitável que colocará o estado na idade das trevas em termos de conhecimento e defesa da nossa biodiversidade.
Já para o governador Sartori, extinguir essa instituição, assim como as demais, é uma condição para a “modernização administrativa”? Diante do trabalho realizado por essas instituições, cabe perguntar: em que sentido pode ser considerada “moderna” uma iniciativa que propõe o desmonte de praticamente toda rede pública de pesquisa no Estado?