A série Thirteen Reasons Why (Treze Motivos), disponibilizada pela Netflix, tem estimulado importante debate a respeito de temas como o bullying e o suicídio de adolescentes. O primeiro objeto da polêmica está vinculado ao chamado “Efeito Werther”.
A expressão é derivada do que ocorreu quando do lançamento, em 1774, do romance epistolar O Sofrimento do Jovem Werther (Die Leiden des jungen Werthers), de Goethe, a mais célebre peça literária do romantismo alemão. O livro trata da paixão do protagonista por uma jovem de nome Lotte que, desafortunadamente, era casada.
Diante do amor impossível, Werther comete suicídio. O talento de Goethe fez com que a trágica decisão fosse descrita de forma arrebatadora, o que produziu enorme impacto entre os leitores. Um grupo deles, todos jovens como Werther, também praticaram o suicídio. Desde então, sabe-se que pessoas deprimidas e com ideações suicidas tendem a ser estimuladas à morte diante da notícia de casos de suicídio.
O fato divulgado – e especialmente a forma como isso é feito – funcionaria como um “gatilho”, detonando o fenômeno dos suicídios por imitação (copycat suicides). Por isso, tornou-se comum em todo o mundo o cuidado com as notícias sobre suicídios. Há países, como a Noruega, que simplesmente proíbem sua divulgação.
Outras nações têm recomendações mais ou menos formalizadas que procuram evitar o sensacionalismo. Nos casos em que a divulgação é absolutamente necessária (caso de suicídio de uma figura pública, por exemplo), ela deve ser discreta, sem a reprodução de detalhes sobre os procedimentos empregados.
Foto: Beth Dubber/Netflix/divulgação
Thirteen Reasons Why, entretanto, apresenta, ao final, o momento do suicídio da protagonista, a adolescente Hannah Baker, em uma cena chocante e de total realismo que pode inspirar tragédias reais. Os especialistas na matéria são, em regra, críticos à cena e temem que a série possa glamourizar o suicídio.
Na história, Hannah Baker, uma adolescente linda, inteligente e sensível, vai sendo devastada pela maledicência, mesquinharia e violência dos seus colegas. Ela é vítima de bullying, mas sua escola é incapaz de perceber o que está ocorrendo. Hannah toma, então, a decisão de gravar 13 fitas em que relata seus motivos para o suicídio. Cada episódio da série trata de uma dessas fitas.
A adolescente morta passa a ser, assim, protagonista, um resultado paradoxal que insinua novo risco de imitação. Ao invés do indizível sofrimento produzido pela morte e da desistência pressuposta, o suicídio adquire os contornos de uma estratégia pela qual se alcançará “a justiça”. Essa é a característica que mais me parece preocupante. Na vida real, o suicídio é o fim. A decisão de encerrar tudo. Na série, ele é o começo para que a verdade seja conhecida.
Por isso, penso que o risco é real e que devemos estar atentos a ele. Desde que a série passou a ser exibida, em 31 de março deste ano, houve aumento significativo de contatos com os serviços de prevenção. O CVV (Centro de Valorização da Vida) registrou que o número de e-mails diários quintuplicou. Em Porto Alegre, as ligações telefônicas para o CVV dobraram. Muitos dos que entraram em contato pedindo ajuda relatavam que se identificavam com Hannah Baker. Aliás, deve-se divulgar amplamente o telefone gratuito do CVV, o 188, porque pessoas com ideação suicida podem ser demovidas se contarem com apoio.
Por outro lado, há algo muito importante na série. De uma maneira persuasiva e com situações que são cada vez mais comuns em nossas escolas – como o cyberbullying, por exemplo – Thirteen Reasons Why mostra o quanto a estupidez e os preconceitos podem ser devastadores, notadamente quando suas vítimas são adolescentes. Algumas das situações de bullying mostradas na série seguem sendo tratadas no Brasil com a mesma despreocupação.
Poucas de nossas escolas estão minimamente capacitadas para agir preventivamente e, como regra, não há serviços efetivos à disposição de adolescentes com ideação suicida, sequer recursos para que eles possam expressar suas angústias. Em todo o mundo, as evidências encontradas por centenas de pesquisas mostram que a ideação suicida entre adolescentes é um fenômeno universal fortemente correlacionado à experiência do bullying.
A série permite compreender a dinâmica pela qual a dor faz com que os seres humanos se isolem da companhia do mundo e tenham sua percepção da realidade alterada. A dor da humilhação, particularmente, é uma forma dessa experiência intraduzível, na medida em que só existe quando outra pessoa ou um grupo de pessoas testemunhou ou sabe das circunstâncias pelas quais sofro, tendo encontrado precisamente nelas um motivo de satisfação. Ser humilhado significa, assim, sofrer por uma dor que é só minha, mas que foi produzida na companhia de um mundo que se compraz em me negar dignidade e que, por decorrência, deseja minha dor. Humilhar é, por isso mesmo, o maior isolamento que se pode conceber.
* Marcos Rolim é Doutor em Sociologia e jornalista. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe