Foto: Lula Marques/Agência PT
Foto: Lula Marques/Agência PT
Alguém ainda lembra das famosas “pedaladas fiscais”, a razão alegada para depor, em 2016, a presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014 com mais de 54 milhões de votos? Quem foi mesmo que patrocinou essa aventura, quais seus aliados e cúmplices? E, sobretudo, qual o seu custo para a democracia brasileira e para o futuro do país? Quase nove meses depois da confirmação, pelo Senado, da deposição de Dilma, o Brasil vive uma das crises políticas mais graves de sua história. Um dos fatores que alimenta essa crise é a adoção da mentira como prática sistemática pelas chamadas “elites” brasileiras para empurrar goela abaixo da população reformas que retiram direitos resguardados pela Constituição de 1988, pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e por tratados de direitos humanos reconhecidos internacionalmente pelo país.
Como já aconteceu em outras ocasiões de nossa história, o Brasil ingressou em um clima de vale-tudo em nome de uma agenda que só é do interesse de uma parcela ultraminoritária da sociedade. O golpe contra Dilma, nunca é demais lembrar, foi dado com o objetivo central de aprovar essa agenda. Os setores que apoiaram a chegada de Michel Temer ao poder vinham tentando naturalizar o golpe consumado em 31 de agosto de 2016, mas, a incerteza quanto à aprovação de sua agenda no Congresso, acabou minando a já precária unidade que havia entre eles. As revelações da delação de Joesley Batista, dono da JBS, com o envolvimento direto do senador Aécio Neves (PSDB) e do próprio Michel Temer (PMDB) só agravaram esse quadro, aprofundando o grau de instabilidade política no país e de incerteza acerca do futuro do golpe que derrubou o governo eleito pelo voto popular.
Junto com o aprofundamento da instabilidade, cresce também a repressão contra os setores da sociedade que se mobilizam contra essa agenda regressiva. Os acontecimentos do dia 24 de maio, em Brasília, mostraram que os patrocinadores dessa agenda não hesitarão em aumentar, no nível que for preciso, o grau de repressão contra sindicatos, movimentos sociais e organizações populares para atingirem os seus objetivos.
Em um debate realizado no dia 12 de maio, em Porto Alegre, João Pedro Stédile e Guilherme Boulos, dirigentes de dois dos principais movimentos sociais do país hoje (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), chamaram a atenção para a complexidade do atual cenário político e para os riscos que ele representa para a democracia brasileira.
A natureza das crises econômica e política, a confluência das mesmas e a agenda do governo de Michel Temer e seus aliados, assinalaram Stédile e Boulos, colocaram o Brasil em uma encruzilhada que aponta basicamente para dois caminhos. O primeiro: as forças de esquerda e do campo democrático conseguem construir uma sólida unidade e manter mobilizações massivas de rua, como ocorreu na greve geral do dia 28 de abril e na jornada de Curitiba, dias 9 e 10 de maio, para derrotar o governo golpista e a agenda de destruição de direitos que este vem implementando no país, via eleições diretas este ano ou em 2018. O segundo: o governo Temer consegue aprovar seu pacote de reformas que provocarão um retrocesso de décadas em termos de direitos, aumentando a repressão contra as forças de esquerda e do campo democrático e promovendo um fechamento político ainda maior que aumentará a radicalização social no país.
Para Boulos, o que permite o governo Temer bancar essa destruição é justamente a sua ilegitimidade. “Apenas um governo não eleito, com apenas 5% de aprovação, pode implementar um tamanho programa de destruição nacional. Ele não tem nada a perder”, assinalou. E, junto com essa destruição, o solo da “antipolítica” segue sendo semeado sistematicamente pelos grandes meios de comunicação que tiveram um papel decisivo na derrubada de Dilma e, agora, fazem de conta que não desempenharam um papel protagonista para as coisas chegarem onde chegaram.
Diante desse cenário, Stédile e Boulos apontaram três desafios que podem até não ser suficientes para enfrentar o atual quadro de destruição, mas são absolutamente necessários: máxima unidade no campo de esquerda e progressista, construção de um novo projeto para o país e voltar a realizar um trabalho de base sistemático que implica colocar o pé no barro para conversar com as pessoas que estão sendo alvo desse experimento de envenenamento que é, em última instância, o envenenamento da democracia no Brasil. Mais uma vez.