A participação ativa do grande empresariado urbano e rural na derrubada de Dilma ficou escancarada. Agora, o “mercado” não tem o menor pudor de sugerir que, talvez, as eleições diretas possam impor retrocessos às reformas
Foto: Beto Barata/PR
No dia 24 de julho, o jornal Valor Econômico publicou uma matéria, assinada pela repórter Angela Bittencourt, expressando os “temores do mercado” sobre o possível resultado das eleições presidenciais em 2018. Citando um “experiente profissional” do setor privado, o texto afirma que o mercado considera as eleições um risco, pois o resultado poderia impor retrocessos às reformas implementadas pelo governo Temer. A fonte da matéria, que não é identificada, manifesta expressamente a preferência do mercado por uma vitória do PSDB e assegura que este “reagirá mal” caso uma candidatura mais à esquerda vença as eleições e decida interromper a agenda de reformas que foi derrotada nas eleições de 2014, mas que ascendeu ao poder com o golpe parlamentar, jurídico e midiático contra a presidente Dilma Rousseff.
Há algum tempo, o mercado abandonou as sutilezas de linguagem para intervir na política brasileira. A participação ativa do grande empresariado urbano e rural na derrubada de Dilma ficou escancarada. Agora, mesmo com o governo Temer mergulhado em uma grave crise de legitimidade e bombardeado por denúncias de corrupção, o “mercado” – espécie de ente mágico que congrega esse empresariado – não tem o menor pudor de sugerir que, talvez, as eleições diretas possam impor retrocessos às reformas. A agenda destas reformas não se limita ao âmbito da legislação trabalhista e previdenciária, abrangendo praticamente todos os setores da economia nacional. O “mercado” quer aproveitar a derrubada de Dilma para impor, de modo total, a sua agenda para o país.
A total privatização do setor elétrico
Um exemplo disso ocorre no setor elétrico, onde o governo Temer prepara uma mudança radical do marco legal em favor das empresas privadas de energia. De acordo com a nota técnica elaborada pelo Ministério de Minas e Energia, a energia elétrica deixará de ser considerada como um bem e serviço público e passará a ser mais uma commodity para ser negociada em um mercado livre de energia. Hoje, a energia elétrica é um bem público regulado, não existindo liberdade total de compra e venda pelo setor privado. Nenhum país do mundo adotou um modelo tão radical como este, nem os Estados Unidos, que adotaram mecanismos de regulação de preços após a grande crise que aconteceu na Califórnia no início dos anos 2000.
As propostas de “aprimoramento do marco legal”, apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia, propõem ainda a criação de um ambiente especulativo para o comércio de energia, com a formação de uma bolsa de energia, com total liberdade de definição de preços pelos agentes operadores. Além disso, prevê a privatização de todas as estatais do setor elétrico, proposta que já foi apresentada no Rio Grande do Sul pelo governador José Ivo Sartori (PMDB), envolvendo a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e a Sulgás.
Liberação de compra de terras por estrangeiros
Outra proposta defendida pelo mercado e já apresentada pelo governo Temer é a liberação total da venda de terras a estrangeiros sem limite de área. No final de julho, o boletim de negócios e finanças Relatório Reservado afirmou que, para garantir sua permanência no Palácio do Planalto, Michel Temer estaria acelerando a tramitação do projeto de lei que libera a venda de terras para o capital estrangeiro. A medida seria uma forma de conquistar votos da bancada ruralista na votação da denúncia da Procuradoria Geral da República contra Temer, apreciada e arquivada na Câmara dos Deputados.
Outro carinho de Temer para a bancada ruralista foi a assinatura de um parecer da Advocacia-Geral da União tratando do chamado “marco temporal” para demarcação de terras indígenas. Segundo esse parecer, só serão demarcadas áreas ocupadas pelos índios até a data da promulgação da Constituição de 1988.
Além do retrocesso do ponto de vista de direitos humanos, sociais e trabalhistas e de abandono da ideia de soberania nacional, essas propostas evidenciam o que o cientista político Juarez Guimarães chamou irrupção da dimensão antidemocrática do neoliberalismo. O golpe no Brasil, diz o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se insere neste processo de construção de estados constitucionais não democráticos. Os temores do mercado quanto ao que pode sair das urnas em 2018 expressam, na verdade, uma ameaça ao sistema democrático brasileiro que já está cambaleando após os acontecimentos dos dois últimos anos.