OPINIÃO

Trilhão

Publicado em 11 de agosto de 2017

Trilhão

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

A mente humana, ou pelo menos a mente brasileira, não está preparada para o quatrilhão. As futuras gerações precisam ser protegidas do quatrilhão

‘Trilhão” era uma palavra pouco usada antigamente. Uma pessoa podia nascer e morrer sem jamais ouvir a palavra “trilhão”, ou só ouvi-la em vagas especulações sobre o número de estrelas no universo. O “trilhão” ficava um pouco antes do infinito. Dizia-se “trilhão”, em vez de dizer “incalculável” ou “sei lá”.

Certa vez (autobiografia), tive que responder a uma questão de Geografia num exame oral da escola. A pergunta era “qual é a população da China?” Com alguma presença de espírito, eu poderia perguntar para a professora: “A senhora quer saber neste exato momento?”, dando a entender que, como o que mais acontece na China é nascer gente, uma resposta exata seria impossível. Mas meu espírito não estava presente. Ainda estava em casa, dormindo. Respondi:

– Numerosa.

Ganhei um zero, claro. Meu “trilhão” era sinônimo de “numeroso”. Não era um número, era uma generalização. Você dizia “trilhão”, e a palavra subia como um balão desamarrado. Hoje não passa dia em que não se ouve falar em “trilhão”. Os trilhões da corrupção vão aos poucos se tornando nossos íntimos. Quantos zeros tem um trilhão? Doze, acertei Se os zeros fossem pneu, o trilhão seria uma jamanta.

E deve estar vindo por aí o quatrilhão. “Quatrilhão” é uma palavra feia. “Quatrilhão” é pior do que “seborreia”. A mente humana, ou pelo menos a mente brasileira, não está preparada para o quatrilhão. As futuras gerações precisam ser protegidas do quatrilhão. As reformas monetárias, quando vêm, vêm para acomodar as máquinas calculadoras, desprezando o senso do ridículo – já que caem os zeros mas nada, realmente, muda. A próxima reforma talvez seja a primeira motivada por um certo pudor linguístico e substitua “quatrilhão” por algo mais bonito. Pelo menos um nome mais bonito.

 MARCO AURÉLIO GARCIA

Quando o Marco Aurélio Garcia e a Beth estavam exilados em Paris, nós lhes levávamos notícias do Brasil, de parentes, de amigos em comum e do Internacional. Ele nos retribuía com ótimos jantares que – milagrosamente, dada a escassez de dinheiro no exílio – ele mesmo improvisava. E também com sua inteligência e seu humor. O Marco Aurélio morreu na última quinta-feira. Vai fazer falta.

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