OPINIÃO

Istorinhas

Por Fraga / Publicado em 13 de setembro de 2017

Istorinhas

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

Erra uma vez

Era uma Errata errante. Mal digitada, andava a esmo por entre volumes acadêmicos, ensaios científicos. Tentava ser útil a códices e índices, esses livrões ávidos por exatidões linguísticas. Mas agora, idosa, parecia desnecessária: um novo funcionário, um corretivo eletrônico, não deixava serviço para trás. A Errata vagava, esnobada nos teclados de universidades e faculdades, centros de estudos, academias. Sonha com hecatombes digitais e a convoquem de novo.

Erário uma vez

Era um cofre público igual a qualquer cofre público: qualquer chefe de escalão metia a mão. Nos tempos de ilicitações, o Erário fazia de conta que suas contas fechavam. Aí nasceu, aqui assim, lá nele, um rombo. De início um furinho, cresceu, cresceeeuuu. Hoje o Erário tem dois poços no lugar dos olhos e fossa abissal em vez de boca. Sem nada mais entender de finanças ou de física, virou um buraco negro na administração pública.

Eros uma vez

Eros já fora parodiado várias vezes, em muitos idiomas. E de pastiche em pastiche por todos os lugares, se tornara enfarado de si mesmo. Tanto que seu erotismo desgastado em repetições fakes nem pro gasto dava. Figura sem atrativos em orgias e surubas, a olhos vistos perdia sua intensidade, em meio a banalizações visuais e explicitudes. Um dia Eros acordou e viu-se transformado num imenso ser assexuado. E nem ao menos num conto de Kafka era.

Hera uma vez

Era uma trepadeira atrevida: esverdeava tudo quando era muro, muralha, parede, empena, lateral de prédios. Iniciava pelo rodapé, disfarçada de broto, e subia. Quando viam, já tinha se alastrado. Antes que engrossassem com ela, engrossava seus talos. Ignorada pela consciência ecológica, sustentava a existência sugando a insustentável natureza ao redor. Quando se deram conta, ops: Hera era um casulo a envolver a Terra. E foi melhor assim pro planeta.

Heráldica uma vez

Escudos e brasões e bandeiras e flâmulas eram o habitat da Heráldica. Endurecida em bronze ou mármore, passava os séculos a admirar a História, seu álbum de recordações. Quando queria desfilar por aí, vestia-se de cetins e sedas, e tremulava à frente de milhares de adoradores. Porém seu simbolismo, miolo do ego, já não impressiona tanto. Nem os antigos sinais de nobreza animam Heráldica. Às vezes vibra, ao se ver reproduzida num ombro ou nádega. Mesmo assim não se engana: sabe que tatuagens são efêmeras, duram enquanto o corpo dura. Heráldica suspira, saudosa da força que possuía.

Errônea uma vez

Era um GPS desorientado: apegado ao seu usuário, aprendia seus trajetos e costumes e os seguia. Um servia ao outro, sempre chegavam aos destinos rotineiros. Até que a senilidade de um confundiu o outro. O usuário foi parar numa casa de repouso. E o GPS, sozinho, nunca mais achou o caminho pra casa.

 

 

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