STF abre espaço para conservadorismo religioso nas escolas públicas
Foto: Rosinei Coutinho/STF
Supremo Tribunal Federal (STF) abriu as portas para a introdução de um modelo confessional de ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Em julgamento concluído no dia 27 de setembro, o STF, por 6 votos a 5, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4439, na qual a Procuradoria Geral da República (PGR) questionou o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. Por maioria dos votos, os ministros entenderam que o ensino religioso nas escolas públicas pode ter natureza confessional, ou seja, vinculado a determinadas religiões. Votaram contra a liberação do ensino religioso confessional os ministros Luís Roberto Barroso (relator), Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello. Votaram a favor Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Tóffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Na ação proposta em 2010, a PGR questionou o acordo firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, aprovado pelo Congresso Nacional em 2010, que prevê o “ensino católico e de outras confissões” na rede pública de ensino do país. Além disso, pediu que o STF interpretasse o artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que determina que o ensino religioso “é parte integrante da formação básica do cidadão”, no sentido de proibir o ensino confessional, interconfessional ou ecumênico, bem como a admissão de professores na qualidade de representantes de confissões religiosas.
A Procuradoria sustentou que o ensino religioso nas escolas públicas não pode ser vinculado à religião específica e pediu que fosse proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Essa disciplina, cuja matrícula é facultativa, argumentou a Procuradoria Geral da República, deve ser voltada para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica, e não para a difusão e defesa de uma determinada religião.
Em seu voto (vencido), Luís Roberto Barroso defendeu que não cabe ao Estado incentivar o avanço de correntes religiosas específicas, mas, sim, “assegurar campo saudável e desimpedido ao desenvolvimento das diversas cosmovisões”. Na mesma linha, Celso de Mello afirmou que o Estado laico não pode ter preferências de ordem confessional, não podendo interferir nas escolhas religiosas das pessoas. Já a ministra Cármen Lúcia entendeu não haver conflito da liberação de ensino religioso confessional nas escolas públicas com a laicidade do Estado, “uma vez que a disciplina deve ser ofertada em caráter facultativo”.
Um grupo de entidades e pesquisadores das áreas de educação, direitos humanos e feministas, intitulado Educação Pública e Laicidade, ingressou como Amicus Curiae na ação, defendendo que o STF estabelecesse limites constitucionais negativos ao ensino religioso nas escolas públicas. Para tanto, defendeu a facultatividade do ensino religioso, a proibição da matrícula automática de estudantes, imposta em redes de ensino, e a proibição da admissão de professores de ensino religioso representantes de religiões. Um dos temores desse grupo é a ascensão do conservadorismo religioso nas escolas com o propósito de proibir o tratamento de temáticas relacionados a gênero, à raça e à sexualidade nas escolas públicas, como já vem acontecendo em vários estados.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) divulgou nota manifestando preocupação com a decisão do Supremo. Na visão da entidade, a prática do ensino religioso confessional nas escolas públicas cria uma relação de aliança entre o poder público e as diferentes igrejas e religiões, não podendo ser considerada “colaboração de interesse público”, uma vez que fomenta a “distinção de brasileiros ou preferências entre si”, pois parte dos estudantes de determinadas escolas terão suas crenças suplantadas por outras que dominarão a doutrinação no ambiente escolar.
O Estado laico, defendeu ainda a nota da CNTE, não significa uma posição de negação da religião. “Ao respeitar todos os cultos e não adotar e privilegiar nenhum deles, o Estado libera positivamente as igrejas de qualquer tipo de controle, fortalecendo e criando as reais condições para o respeito. A tolerância religiosa terá mais a ganhar num espaço onde as religiões são tratadas como parte do conhecimento humanístico, sem nenhuma influência objetiva ou subjetiva do Estado a quaisquer crenças – inclusive em relação às posições de ateus e agnósticos”.