OPINIÃO

A mala fala

Por Fraga / Publicado em 11 de dezembro de 2017

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

A Mala, esse obsessivo objeto de desejo de políticos, atravessa uma crise de identidade: a coitadinha já não sabe se é inocente útil ou se virou cúmplice dos criminosos em Brasília. Morta de vergonha e de medo, abriu seu coração e repartições internas. Eis seu desabafo, exclusivo.

Pergunta – Com tantos escândalos de corrupção ao seu redor, como a sra. se sente?

Resposta – Se fosse apenas ao redor, nem me escandalizaria. Mas são crimes que envolvem meu íntimo, expõem na mídia minhas entranhas. Ah, saudades de conteúdos sedutores: anáguas, perfumes famosos.

Pergunta – Bem, sua trajetória não foi só glamour. No passado, havia aventuras com passaportes falsos e os crimes com esquartejamento ocorrem até hoje, não é?

Resposta – Puizé, nossa família é grande e muitos parentes, mais sortudos que os do ramo brasileiro, viveram sob os holofotes dos filmes. Porém o drama do japonês da pipoca mostra que as ameaças podem vir de qualquer lugar.

Pergunta – Por falar nisso, qual a sensação de estar estufada com
milhares de reais. A sra. já transportou mais de 500 mil?

Resposta – Claro. Minhas primas e eu adoramos a rota Brasília-Suíça e outros paraísos fiscais. Por motivos turísticos, já que somos agentes passivos, que é como a PF nos enquadra. O problema é que independente do que levamos sempre somos encaradas como suspeitas em qualquer alfândega.

Pergunta – Dá mais medo nessas horas?

Resposta – Mais que isso, é um horror. O estado islâmico também nos usa para atentados. Quando uma de nós explode, é luto universal, desde as malas de grife até as chinesas falsificadas.

Pergunta – Imagino sua dor.

Resposta – A vida humana é sempre mais importante, porém pensemos também nas nossas crianças e jovens…

Pergunta – Como assim dona Mala?

Resposta – Me refiro às necessaires, tão pequenas, e às mochilas, todos querendo apenas conhecer o mundo, e bum! Sem esquecer nossos avós, tantos baús destruídos em épocas passadas.

Pergunta – E quanto aos geddéis, temers tantos outros?

Resposta – Uma pouca vergonha nos envolver nessas falcatruas! Multiplique as idas e vindas entre 3as e 5as feiras no aeroporto do distrito federal. Uma esteira de bagagem me disse que deputados e senadores chegam a trocar risinhos safados enquanto aguardam os volumes…

Pergunta – O que a sra. pensa da sua reputação em meio a tudo isso?

Resposta – Que sujaram para sempre nossa imagem, a de acessório inocente.  Todo dia manchetes denunciadoras e fotos na web com recheios de milhões e milhões. É como diz o palíndromo do genial Millôr Fernandes: A MALA NADA NA LAMA.

Pergunta – Que providências vocês, as malas, pretendem tomar?

Resposta – Não importa se somos de couro legítimo, plástico ou tecido sintético: se a justiça não protege o cidadão, vai proteger a gente? A cada viagem, nossa esperança é torcer por um extravio de bagagem. Para bem longe do Brasil.

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