O que está por trás da proposta de reforma Tributária no Congresso
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Para compreender o que está por trás da nociva proposta de reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional (PEC 293/04), precisamos compreender a natureza dos tributos. No Brasil, os principais tributos são: impostos, contribuições e taxas. A natureza de cada um desses tributos interfere na sua aplicação, ou seja, na destinação dos recursos arrecadados dos contribuintes. Tal aplicação é o que mais interessa para a sociedade que paga a conta no Brasil, ansiosa por um retorno ou contrapartida em serviços e bens públicos.
TAXAS – As taxas cobradas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, porém, somente podem ser exigidas em razão da prestação de um serviço público específico. É preciso ficar atento a alegações infundadas de que o modelo tributário brasileiro precisa apenas ser “simplificado”, mediante a redução do número de tributos. Em geral, aqueles que propagam tal discurso incluem as dezenas de diversas pequenas taxas específicas que são devidas somente por aqueles que utilizam determinado serviço. Não é aí que está o problema do modelo tributário brasileiro.
IMPOSTOS – Impostos não podem ter destinação específica, isto é, tudo o que o Estado arrecada em impostos é destinado a um caixa único e sua destinação é relacionada ao financiamento da máquina pública, a investimentos e juros da dívida pública. Em âmbito federal os principais impostos são o Imposto de Renda (que incide sobre as pessoas físicas ou jurídicas; o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sobre Importação (II), Exportação (IE), Operações Financeiras (IOF) e sobre Propriedade Territorial Rural (ITR). O Imposto sobre Grandes Fortunas está previsto na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentado, razão pela qual não é cobrado no Brasil, que não por acaso é o país de maior concentração de renda do Planeta.
No âmbito dos estados, os principais impostos são o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (Ipva) e sobre Transmissão causa mortis e Doações (ITCMD).
No caso dos Municípios, os principais impostos são o Imposto sobre Serviços (ISS), o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI).
É importante que existam diversas incidências, para que todos os fatos econômicos possam ser alcançados pela tributação e todos possam contribuir para o financiamento do Estado.
Em um modelo tributário justo, a dosagem da incidência tributária faria com que os mais ricos contribuíssem proporcionalmente mais, conforme exige a Constituição Federal, quando determina a observância aos princípios da capacidade contributiva e progressividade.
Infelizmente não é isso que acontece. Por meio de isenções, desonerações e benesses tributárias, várias distorções transformam o nosso modelo em um dos mais injustos do mundo.
Assim, é importante ressaltar que a injustiça tributária verificada no Brasil não está localizada na existência de diversas incidências tributárias, mas sim nas distorções e privilégios.
CONTRIBUIÇÕES – Já as contribuições, dentre as previstas na Constituição Federal, a contribuição de melhoria quase não é cobrada no Brasil; as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e as Contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas (OAB, Sesi, Senac, Senai etc.) têm cumprido o seu papel, mas as mais relevantes são as Contribuições Sociais destinadas ao financiamento da Seguridade Social (art.195).
Os recursos arrecadados de contribuições sociais têm a sua destinação obrigatoriamente vinculada à área a que se referem, ao contrário dos impostos, que não possuem aplicação específica.
Assim, quando os constituintes criaram o importante tripé da Seguridade Social (que engloba a Previdência, Assistência Social e Saúde, conforme art. 194 da Constituição), estabeleceram também as fontes de receitas federais (art. 195 da Constituição) – as contribuições sociais – que são pagas por todos os setores, ou seja:
– empresas contribuem sobre o lucro (CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS);
– trabalhadores contribuem sobre seus salários (INSS);
– e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (Cofins – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Além dessas, a Seguridade Social arrecada contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos, PIS, Pasep, entre outras.
Os sucessivos governos, desde o início da década de 90, têm utilizado o artifício da “desvinculação de receitas da União” (DRU) e lançam mão de recursos vinculados à Seguridade Social para destiná-los a outros fins, em especial para pagar juros da dívida pública. Cabe lembrar que a DRU, criada desde 1994 com a denominação de Fundo Social de Emergência, teve sua alíquota majorada em 2016, e desvincula até 30% dos recursos da Seguridade Social.
A justificativa para a esdrúxula reforma da Previdência (PEC 287/2016) apresentada pelo atual governo ao Congresso tem sido o “déficit da Previdência”. No entanto, a Seguridade Social (onde está inserida a Previdência Social) tem sido altamente superavitária nos últimos anos, em dezenas de bilhões de reais, conforme dados oficiais segregados pela Anfip. A sobra de recursos foi de R$72,7 bilhões em 2005; R$ 53,9 bilhões em 2010; R$ 76,1 bilhões em 2011; R$ 82,8 bilhões em 2012; R$ 76,4 bilhões em 2013; R$ 55,7 bilhões em 2014, e R$11,7 bilhões em 2015, quando a política monetária praticada pelo Banco Central produziu a atual crise e jogou o país em recessão.
A proposta de reforma Tributária (PEC 293/04)
A proposta de reforma Tributária que o atual governo deixará para o próximo pretende transformar importantes contribuições sociais (Cofins e PIS) em imposto, modificando a natureza desses tributos. Tal fato irá provocar imenso dano à arrecadação da Seguridade Social, que não mais contará com as receitas dessas contribuições, que se pretende extinguir e transformar em imposto, favorecendo ainda mais a destinação de recursos para o pagamento de juros da chamada dívida pública, que nunca foi objeto de uma auditoria integral e representa o maior gasto público federal.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Recente emenda apresentada pelo economista Bernard Appy à referida PEC 293/2004 pretende unificar também o IPI, o ICMS e o ISS ao novo imposto a ser criado, misturando competências da União Estados e Municípios.
Assim, o que está por trás dessa PEC 293/2004 é o comprometimento da Seguridade Social, provocando dano inimaginável às áreas sociais da Previdência, Saúde e Assistência, além do completo desrespeito ao Federalismo.
Em 2008, durante a luta contra essa proposta, a CNBB expediu importante Nota Pública e essa proposta foi engavetada, porém, retorna agora com força novamente. É hora de toda a sociedade, em especial a classe trabalhadora, que paga a maior parte dessa conta, lutar para barrar essa proposta e exigir outra reforma que de fato promova Justiça Fiscal e Social.
Maria Lúcia Fatorelli é auditora fiscal aposentada da Receita Federal e é Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida desde a fundação do movimento no ano 2001, com diversos livros publicados no país e exterior. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.