As primeiras façanhas de Eduardo Leite
Foto: Palácio Piratini/Divulgação
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A participação popular não parece fazer parte do receituário do governador. No dia da votação da PEC 272, o prédio da Assembleia Legislativa amanheceu cercado por grades e tropas do Batalhão de Choque da Brigada Militar, reeditando o cenário construído pelo governo José Ivo Sartori (MDB) durante a votação da extinção das fundações
“Novas Façanhas.” Esse foi o slogan escolhido pelo governador Eduardo Leite (PSDB) como marca que apresenta a síntese do que pretende ser a linha política e administrativa de seu governo. A referência óbvia é a famosa passagem do Hino Rio-grandense: “Mostremos valor, constância/Nesta ímpia e injusta guerra/Sirvam nossas façanhas/De modelo a toda terra”. A guerra à qual a letra do hino faz referência, por sua vez, é a Revolução Farroupilha que, durante dez anos (1835-1845), opôs a então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul ao governo imperial. Na publicação de 27 páginas editada para marcar os 100 primeiros dias de governo, as referências ao conceito de “façanha” são vagas e falam em “honrar nosso passado”:
“O Rio Grande do Sul tem um caminho claro para desenvolver seu enorme potencial econômico e social, e assim construir um novo futuro, com diálogo, consensos estratégicos, crescimento e desenvolvimento para todos. Mas não será um caminho fácil e nem indolor. Por isso, é hora de honrarmos nosso passado e construirmos, juntos, novas façanhas. Esta é a direção que estes primeiros 100 dias de governo apontam”, afirma a publicação oficial do governo. Além de não ser indolor, esse caminho, informa ainda o texto de propaganda, exigirá “sacrifícios e ajustes”, apelo que recorre também ao espírito farroupilha do passado. O novo governo promete fazer isso buscando os “melhores profissionais do mercado” por meio de uma parceria com a Fundação Lemann e de uma “estratégia inovadora” de escolha. O documento não explicita que estratégia inovadora seria essa.
Uma das primeiras façanhas comemorada pelo governo Eduardo Leite foi a aprovação, na Assembleia Legislativa, por 40 votos a 31, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 272, a qual retira da Constituição Estadual a obrigatoriedade da realização de plebiscito para a privatização da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás.
Em sua justificativa, o governo aponta o mecanismo do plebiscito como um “obstáculo burocrático” e sustenta que a possível venda dessas empresas públicas “dependa de procedimentos menos burocratizados, permitindo que o Poder Executivo possa dar seguimento às medidas necessárias para tornar a máquina administrativa mais enxuta, moderna e efetiva”. Ao final da votação da PEC 272/2019, no dia 23 de abril, na Assembleia Legislativa, o líder do governo, deputado Frederico Antunes (PP), foi mais direto: “Queremos colocar essas empresas à disposição do mercado”.
O governador Eduardo Leite defendeu também o fim do plebiscito com o argumento de que a privatização de empresas públicas seria um tema complexo demais para ser submetido à consulta pública e, dada essa complexidade (e a suposta falta de capacidade da população entendê-la), poderia resultar em escolhas erradas. A participação popular não parece fazer parte do receituário de Eduardo Leite para alcançar as façanhas que pretende. No dia da votação da PEC 272, o prédio da Assembleia Legislativa amanheceu cercado por grades e tropas do Batalhão de Choque da Brigada Militar, reeditando o cenário construído pelo governo José Ivo Sartori (MDB) durante a votação da extinção das fundações. O tema em questão não só era complexo demais para ser submetido à consulta popular, como também para ser votado no Parlamento, exigindo um rígido esquema de segurança e de controle do acesso ao prédio do mesmo.
Ex-presidente da CEEE, Gerson Carrion ironizou a contradição entre a referência às façanhas farroupilhas para simbolizar a linha do novo governo e o desprezo à capacidade da população opinar sobre “temas complexos”. O povo gaúcho, observou ele, não só tem um histórico de se manifestar sobre complexidades, como também faz questão de exercer esse protagonismo, como foi o caso da própria Revolução Farroupilha e da Campanha da Legalidade.
No documento dos 100 dias do governo Eduardo Leite, a estratégia inovadora da Fundação Lemann para a busca dos “melhores profissionais do mercado” tem mais espaço que a participação. No texto, o único espaço mencionado para uma possível participação cidadã é de natureza digital e um tanto genérico: a tecnologia da informação será utilizada para incentivar a participação do cidadão no processo de tomada de decisão. Além disso, o cidadão também contará com um aplicativo para pesquisar preços, “principalmente de combustíveis”.
Marco Weissheimer é jornalista e assina a coluna Aparte na edição mensal impressa do jornal Extra Classe