Estudantes de maio são a esperança possível
Foto: Stela Pastore
Em maio de 1968, jovens estudantes tremeram o mundo. Exatamente 51 anos depois, dias 15 e 30 de maio de 2019, os estudantes do Brasil saíram às ruas e acuaram o governo autoritário do Bolsonaro e a gestão truculenta do MEC. Esta multidão de jovens, conscientes de sua força social e política, não somente contrapõe-se aos cortes de recursos para a educação, mas lutam pela democracia, por uma educação pública de qualidade, por uma universidade autônoma e por ciência livre.
Sem projeto para a retomada do desenvolvimento econômico e social, sem políticas de geração de trabalho, empregos e renda e sem projeto algum para a educação brasileira, o presidente e o ministro da Educação criam factoides e elegem a educação e a ciência como inimigos principais. Porém, estudantes, professores, pesquisadores e a comunidade acadêmica internacional reagiram e reacenderam a esperança da resistência. Mais de mil intelectuais de vários países assinaram um manifesto onde afirmam que “nas nossas sociedades democráticas, os políticos não devem decidir o que é a boa ou má ciência. Avaliação do conhecimento e de sua utilidade não pode ser conduzida de modo a conformar-se às ideologias de quem está no poder (…) Pensar sobre o mundo e compreender nossas sociedades não deve ser privilégio dos mais ricos”.
Em maio de 1968, sob a liderança do estudante de Sociologia Daniel Cohn-Bendit, estudantes começaram reivindicando desde “liberdade nas residências estudantis” até transformar a mais tradicional instituição de ensino francesa, com oito séculos de história, em Universidade Autônoma e popular, ou “Universidade Crítica”, na qual cidadão pudesse entrar e dizer o que quisesse. O lema “é proibido proibir” expressa bem a rebeldia que alicerçava o sonho dos jovens. Na sequência de Paris, protestos eclodiram na Itália, na Bélgica, nos Países Baixos e na América Latina, sobretudo no México e no Brasil. O mundo não seria o mesmo.
Neste maio de 2019, as mobilizações estudantis não se resumem apenas contra os cortes de recursos da educação do governo atual. Eles estão nas ruas e avenidas também contra: a redução de investimentos do orçamento do MEC em curso desde 2014 na ordem de 56%; a diminuição do orçamento do MEC de 117 bilhões para 103 bilhões em 2019; a redução do orçamento da C&T em 42%; a PEC 95/2016 que fixou um teto de investimentos em educação por 20 anos; a extinção e redução das políticas de apoio estudantil; o descumprimento da Lei do PNE que determinou investimento de 10% do PIB em educação até 2024 e, que, cinicamente, está sendo reduzido; as reformas ultraliberais (especialmente a trabalhista e previdenciária); a liberação de armas que matam, especialmente jovens e mulheres; os ataques a escola, aos intelectuais, professores e os jovens estudantes definidos pelo presidente e ministro como “idiotas úteis” e massa de manobra, mas, principalmente, os jovens lutam contra a desconstrução do seu futuro pela negação do acesso aos seus direitos, especialmente, direito à educação!
As inoportunas e desastrosas manifestações públicas do presidente e do ministro da Educação não somente ferem a liberdade de cátedra, de manifestação e expressão, mas agridem a integridade de jovens que são sujeitos de direitos já assegurados, inclusive, no Estatuto da Juventude, Lei nº 12.852/2013, no capítulo “Dos Direitos dos Jovens” que assegura: Direito à Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil; Direito à Educação; Direito à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda; Direito à Diversidade e à Igualdade; direito à Saúde; Direito à Cultura; Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão; Direito ao Desporto e ao Lazer; direito ao Território e à Mobilidade; Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente e direito à Segurança Pública e ao Acesso à Justiça.
A função da educação, no Brasil e em qualquer parte do mundo, é formar e desenvolver os estudantes em sua autonomia intelectual (pensar próprio), autonomia política (cidadania e participação na vida política) e autonomia ética (formação de princípios e valores), com vistas a inserção social e profissional num mundo globalizado e diversificado. Ou seja, desenvolver o protagonismo estudantil e juvenil.
E, de onde vem o conceito protagonismo juvenil?
Vem do grego. Proto quer dizer o primeiro, o principal. Agon significa luta. Agonista, lutador. Protagonista, literalmente, quer dizer o lutador principal. No teatro, o termo passou a designar os atores que conduzem a trama, os principais atores. O mesmo ocorrendo também com os personagens de um romance. No nosso caso, ou seja, no campo da educação, o termo protagonismo juvenil designa a atuação dos jovens como personagem principal de uma iniciativa, atividade ou projeto voltado para a solução de problemas reais. O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla (COSTA, 2016).
A participação juvenil se torna genuína quando se desenvolve num ambiente democrático. A participação sem democracia é manipulação e, em vez de contribuir para o desenvolvimento pessoal e social do jovem, pode prejudicar a sua formação. Principalmente, quando se tem o propósito de formar o jovem autônomo, solidário e competente. Para o filósofo e ex-ministro Renato Janine “não há desenvolvimento da inteligência sem discussão, não há o desenvolvimento da educação sem o direito de protestar. E protestar em favor da educação é o protesto mais nobre que existe”, portanto, deveria receber apoio não somente dos professores e comunidade escolar, mas das famílias e de toda a sociedade.
Portanto, educar e pensar as juventudes hoje, em suas múltiplas determinações e expressões, nos obriga a todos a pensar e falar no “plural”m-JuventudeS, Culturas Juvenis -, e acreditar no enorme potencial deles no desenvolvimento da sociedade. Isto implica, também, segundo Ir. Evilázio Teixeira (Puc/RS), adotar três atitudes frente aos jovens na sociedade, na escola e nas universidades: primeiro, perceber os jovens estudantes como solução e não como problema; segundo, vê-los como fonte de iniciativa e como possibilidade de criatividade e inovação e não como receptáculo e, terceiro, considerá-los como parceiros e interlocutores das decisões nos processos educativos e não como destinatários das ações voltadas a eles.
Nesta perspectiva, o mundo adulto é convidado a desenvolver uma visão e uma nova atitude em relação aos jovens estudantes, caso contrário continuaremos privando-os no desenvolvimento de suas potencialidades. Tratar os estudantes como “idiotas úteis” e manipulados por pais e educadores é reforçar o estigma que os torna cada vez mais filhos do medo. Medo de ficarem fora da universidade, medo de ficarem fora do mundo do trabalho, medo da violência que os vítima, medo de ficarem a margem das decisões políticas que afetam seus sonhos e projetos de vida.
O movimento estudantil brasileiro já teve muitas conquistas em sua história recente, como: voto aos 16 anos, PNE e 10% do PIB para a educação, Lei do Grêmio Livre, Passe Livre, Aprovação do Fundeb, Royaltes do Petróleo e vagas nas Universidades. Estas conquistam se somam a outras lutas históricas como as de Maio de 1968; Contra Regime Ditatorial (1964-1985); Diretas Já (1983-1984); Movimento Caras Pintadas (1992); E 2013 Com Isso?, além das como a ocupação das escolas em 2016, a luta pela autonomia universitária (USP) e, agora, contra as medidas do governo Bolsonaro na área da educação.
Não será este governo e muito menos seu ministro da Educação, absolutamente desconhecedor e alheio a área da educação, inábil politicamente, arrogante, insensível e incapaz de escuta pedagógica, sem capacidade de diálogo direto (prefere esconder-se nas redes sociais) e democrático com os jovens estudantes, que conseguirão intimidar e proibir a livre organização os protestos extremamente nobres em defesa da educação.
Estudantes voltaram às ruas e avenidas. A sociedade e cada um de nós precisamos acordar e lutar juntos com os estudantes.
Maio Vive!
Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.