OPINIÃO

Reforma ensino médio está atrasada e na contramão

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 31 de janeiro de 2020

“Se esta geração não tiver uma visão abrangente do cosmos,
o futuro da vida será decidido aleatoriamente” (Yuval Harari).

Foto: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

A reforma do “novo” Ensino Médio (EM), desencadeado as pressas através de uma medida provisória em 2016, ainda não saiu do papel. Implementação prevista para iniciar nas escolas em 2020, na maioria dos estados brasileiros, as iniciativas se restringem a escolas-piloto que aderiram a um programa de fomento do MEC.

No Rio Grande do Sul, sequer o Referencial Curricular Gaúcho (RCG), que deveria ter sido encaminhado ao Conselho Estadual de Educação em 2019, foi construído com a comunidade escolar. O fato é que o desempenho dos alunos caiu no último Enem e as matrículas do ensino médio estão em queda acentuada.

Vários são os obstáculos, tanto no campo político, orçamentário (financiamento), planejamento, gestão, que, somados à incompetência, fragilidade e inconsistência estrutural da proposta ligam o sinal de alerta dos estudantes e professores.

Reformas curriculares precisam ser planejadas com antecedência e com envolvimento dos educadores, estudantes e especialistas, com prévia formação de professores e, em regime de colaboração com os sistemas e redes de ensino. E quase nada disso foi pensado e viabilizado.

No campo político, com 17 novos governadores eleitos, as prioridades mudaram. O próprio governo federal, através do MEC, prioriza a implementação do programa de escolas cívico-militares em detrimento da BNCC e da reforma do EM.

As restrições orçamentárias, a insegurança com o fim Fundeb já em 2020, o aumento da carga horária do novo ensino médio, a necessidade de contratação de mais professores, opção de itinerários diversos, reorganização de transporte escolar e planejamento educacional por território educativo e ausência de uniformidade nacional atrasam ainda mais o processo.

Outros fatores contribuem para esse atraso e, talvez, inclusive, impedem a sua completa implementação, como: ausência de normas construídas pelos sistemas de ensino; indefinição quanto ao “novo” ENEM; a regulação das parcerias entre sistemas, redes e instituições formadoras; referenciais curriculares locais (estados e municípios) referente aos currículos diversificados e, principalmente, falta de estratégia e clareza em torno dos cinco itinerários possíveis.

Porém, a maior irresponsabilidade da reforma é propor uma melhoria da qualidade, ampliação do tempo nas escolas e qualificação da formação jovens sem ampliar os investimentos na educação. E, mais grave, estão ocorrendo cortes no orçamento da educação, piorando as condições das escolas e a carreira docente.

Entre a promessa anunciada aos jovens estudantes que teriam um “” ensino médio, com opções e itinerários diversificados, a oferta real aponta para redução e precarização da oferta pública.  As matrículas no EM no RS caíram 25,85% nos últimos cinco anos, tanto na rede pública como privada.

Mais de 60% dos municípios brasileiros tem apenas uma escola de ensino médio e terão dificuldades para ofertar dois itinerários, sendo o segundo será, provavelmente, o Técnico e de Qualificação Profissional.

E aí está a maldade da reforma. Porque?

Em 21 lições para século 21, Yuval Harari adverte que “estamos pesquisando e desenvolvendo habilidade humanas principalmente em função das necessidades imediatas do sistema econômico e político, e não de acordo com as necessidades de longo prazo como seres conscientes” (Yuval).

E ele mesmo pergunta: Como podemos preparar os jovens para um mundo repleto de transformações sem precedentes e de incertezas tão radicais? Resposta: através de uma visão abrangente do cosmos, proteger os humanos e não os empregos, desenvolver novos modelos sociais e econômicos, com a orientação de filósofos, psicólogos, sociólogos, historiadores, antropólogos entre outras especialidades de formação humana.

Estamos frente a um cenário de confluência de duas grandes revoluções: da biotecnologia (onde biólogos estão decifrando os mistérios do corpo humano) e na tecnologia da informação (que nos darão controle sobre a vida interior e permitirão arquitetar e fabricar a vida), através da Inteligência Artificial (IA), de Algoritmos da Computação e Robótica.

E o que a quinto itinerário da reforma vai oferecer aos jovens brasileiros neste contexto? 1 200h de qualificações básicas, cursinhos de aprendizagens instrumentais e aproveitamento de carga horária de jovem aprendiz (estágios nas empresas), inclusive obtidos por EaD, em detrimento de uma sólida formação humana, científica, tecnológica e global que se impõe atualmente.

Portanto, a ameaça de perda de empregos ou ausência deles não resulta apenas da falta de formação profissional ou da ascensão da tecnologia da informação, mas da confluência com a biotecnologia. A IA está agora começando a superar os humanos em um número cada vez maior de suas habilidades (físicas e cognitivas).

Então, nesta perspectiva, o que deveríamos estar ensinando? Especialistas em educação sugerem “os quatro Cs) – consciência (pensamento crítico), comunicação, colaboração e criatividade. E a proposta de reforma de ignora as contribuições das ciências da educação e da psicologia, em detrimento de competências e habilidades do mero “saber-fazer” sem pensar.

Para Marcio Pochmann, pesquisador da Unicamp sobre trabalho e economia, os desafios da formação profissional e a superação das teses de subordinação do trabalho passa por uma nova agenda emancipatória. Redução drástica do tempo do trabalho heterônomo, com ingresso após completar o ensino superior, educação pela vida toda, jornada semana de 30h e férias de seis semanas por ano.

Faz um alerta quanto aos ideólogos do determinismo tecnológico que buscam transferir as reais causas do crescimento das desigualdades ao desenvolvimento técnico. O progresso tecnológico não implica o fim do emprego, mas mudanças no conteúdo do trabalho, bem como ampliação do nível ocupacional associados a ganhos de produtividade.

A grande angústia dos jovens hoje é a inserção no mercado de trabalho e o desafio tecnológico. A revolução tecnológica em curso poderá, em breve, excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e criar uma nova e enorme classe sem utilidade. No Brasil atual já existem mais 5 milhões de pessoas com alta qualificação (graduação e pós-graduação) sem trabalho. No RS, o desemprego para quem ensino superior dobrou nos últimos 5 anos e, o estado, já possui um milhão de trabalhadores qualificados subutilizados ou desempregados.

A reforma do ensino médio e seus respectivos programas deveriam ensinar a verdade aos jovens, com ética e escuta. A educação não pode manipular, enganar ou iludir os estudantes com um futuro desarticulado de novos modelos sociais, econômicos, tecnológicos, ambientais e de gestão do trabalho. Não será essa BNCC, muito menos a reforma do EM, suficiente e capaz na preparação dos jovens para este mundo com disrupção tecnológica, crise ecológica e ameaça nuclear em tempos de nacionalismos exacerbados.

Esta reforma está atrasada e na contramão justamente por simplificar a complexidade global onde os jovens estão imersos, apresentando soluções precárias e superficiais, empobrecendo o currículo e fragilizando a formação técnica, científica e humana, negando uma leitura e compreensão pelos jovens sobre um mundo real dominado por 1% da elite.

Desta forma, “o melhor conselho que eu poderia dar a um jovem de quinze anos enfiado numa escola desatualizada em algum lugar do México, da Índia ou do Alabama é: não confie demais nos adultos. A maioria deles tem boas intenções, mas eles não compreendem o mundo” (Yuval Harari).

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