Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
Não importa de onde venha, como é transmitido, que estragos faça na saúde: pra poder desfrutar da vida interior do cidadão, deve esperar na fila dos novos vírus. Letal ou não, tem que saber que já damos abrigo aos vírus que chegaram antes. Afinal, preencheram requisitos e se instalaram em nós segundo preceitos da OMS. Não podem ter seu espaço invadido. Vamos às regras virulentas:
Origem – Todo vírus recém-surgido só pode ingressar num brasileiro se vier com o respectivo comprovante de residência do país de onde vem, seja do 1º ou do último mundo. Se não tiver o documento, o vírus deve ficar de quarentena numa embaixada ou consulado do Brasil. Só depois de infernizar esses núcleos governamentais é que terá permissão para vir zonear nosso tão zoneado Brasil.
Doença – Os novos vírus precisam se aperfeiçoar e definir os males que transmitem. A Ciência já têm extenso catálogo de doenças, não custa nada o novo vírus se orientar e se cadastrar de acordo com os anais da Medicina. Que se prepararem pra contaminar as pessoas conforme um dano específico. E se for um vírus ainda desconhecido, que adote logo uma identidade.
Nome – É sabido que os vírus complicam a vida dos sanitaristas: em vez de nome, preferem siglas, como aquelas gripes que ninguém sabe direito qual é uma, qual é outra. Felizmente existem vírus cientes dessa bagunça e já assumem outra postura. O Coronavírus, por ex., soube se distinguir de tantos outros. Adotou nome fácil de pronunciar e lembrar. Só por isso já provoca simpatia até naqueles que infecta.
Sintomas – Os novos vírus têm que ter noção do que provocam. São milhares de sintomas que o ser humano está apto a expressar. Cada vírus que quiser se instalar em alguém terá que se decidir por quais sintomas: deve escolher aqueles que combinam e não confundam médicos e pacientes. Espirros são aceitáveis, mas só pelo nariz. Vômito e diarreia também devem ser pelos canais tradicionais. A temperatura pode ser febril mas jamais “sensação térmica”.
Contágio – É a parte mais séria da atuação de um vírus recém-chegado. Tem que botar ordem nisso daí, talquei? Contágio tem vias estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Pra quê mexer no time que tá contaminando tão bem? Aperto de mão, beijos, tapa na cara, socos, tudo é válido e fácil de comunicar nas campanhas preventivas. Há vírus traiçoeiros, porém: adoram infectar pelo ar. Imagina o povo ter que se cuidar de bafo, perdigotos, bocejos e suspiros. Como se sabe, o ar é o transporte favorito dos vírus.
Vacina – Se o sarampo e a tuberculose voltaram, sinal que os novos vírus se sentirão em casa.
Prevenção – Temos que torcer que os novos vírus saibam diferenciar gente com máscara protetora e gente mascarada. Que infectem as pessoas certas!
Fraga é escritor, humorista, publicitário. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.