OPINIÃO

Rio Grande do Sul, um estado à venda

Por Marco Weissheimer / Publicado em 16 de abril de 2021
"O estado abraça uma agenda atrasada, patrocinado por um núcleo empresarial e agroexportador obscurantista, cúmplice do discurso e das práticas negacionistas do governo Jair Bolsonaro

Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

“O estado abraça uma agenda atrasada, patrocinado por um núcleo empresarial e agroexportador obscurantista, cúmplice do discurso e das práticas negacionistas do governo Jair Bolsonaro

Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

Fundação Zoobotânica, Fundação de Ciência e Tecnologia, Fundação de Economia e Estatística, Fundação Piratini, Fundação de Desenvolvimento e Recursos Humanos, Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional, Companhia Riograndense de Telecomunicações, Caixa Econômica Estadual, Companhia Estadual de Energia Elétrica… A lista de fundações e empresas públicas extintas no Rio Grande do Sul por governos do MDB/PMDB, PSDB e seus aliados é extensa e não para de crescer.

Os novos alvos da agenda privatista desses partidos são o que resta ainda da CEEE para privatizar (depois do que já foi vendido pelo governo Antonio Britto), Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), Carris (empresa de transporte público de Porto Alegre), Procempa, DMAE… A lista parece não ter fim. O governador Eduardo Leite (PSDB) jura que o Banrisul não está em sua lista de liquidação, mas ele também prometeu, durante a campanha eleitoral, que não privatizaria a Corsan.

Na contramão do que ocorre nas estratégias de governança dos estados que não abrem mão de sua capacidade de desenvolver centros de inteligência e pesquisa próprios garantidores do desenvolvimento social e econômico de suas comunidades, o Rio Grande do Sul abraça uma agenda atrasada, patrocinado por um núcleo empresarial e agroexportador obscurantista, cúmplice, mais ou menos diretamente, do discurso e das práticas negacionistas do governo Jair Bolsonaro.

Enquanto o Instituto Butantan, um instituto público, dá mais uma vez o exemplo em São Paulo, da importância estratégica de os estados terem seus próprios centros de pesquisa, o Rio Grande do Sul desmonta peça a peça todos os seus centros de pesquisa e suas empresas responsáveis por serviços básicos prestados à população.

O governador Eduardo Leite é apresentado com um verniz de modernidade e de renovação na política. Se é verdade que, no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, ele recusou o caminho negacionista de Bolsonaro e procurou implementar uma estratégia de distanciamento social, com idas e vindas que prosseguem até hoje, no plano econômico ele implementa basicamente a mesma agenda de Bolsonaro e Paulo Guedes, tendo a privatização de empresas públicas, como a CEEE e a Corsan, como um de seus carros-chefe.

Essa característica ficou mais evidente quando Leite foi alçado, pelo próprio PSDB, à condição de possível candidato à presidência da República. Coincidência ou não, a partir desse momento, Leite passou a acelerar sua agenda privatista, aproveitando-se da dificuldade de a oposição articular mobilizações de rua contra essa agenda em função da pandemia.

Dívida pública

O discurso é sempre o mesmo, desde o governo Antonio Britto. A crise financeira do Rio Grande do Sul exige austeridade e diminuição do Estado. Em um editorial publicado no dia 22 de setembro de 1996, o jornal Zero Hora comemorava a renegociação da dívida feita por Britto com a União.

O jornal festejou nas suas manchetes da época: “Os gaúchos limpam a ficha”, “O RS está liberado para novos empréstimos e investimentos”.  “A renegociação da dívida obtida pelo governo Britto liberta o Estado do maior obstáculo ao seu desenvolvimento (…) É uma obra que restabelece o crédito e a credibilidade do Rio Grande, com reflexos nas próximas administrações”, escreveu na época o então colunista de ZH, José Barrionuevo. Mas quais foram mesmo os reflexos nas administrações seguintes?

As soluções do governo Britto para a dívida do Estado, que “limpariam a ficha” dos gaúchos, não só não entregaram o que prometeram, como também agravaram a situação financeira do Estado. Em um texto de apresentação ao “Relatório Anual 2014 Dívida Pública Estadual”, elaborado pelo Tesouro do Estado, Giovani Feltes, secretário da Fazenda do governo José Ivo Sartori, reconheceu: “A dívida pública do Estado atualmente supera os R$ 54 bilhões, 86% dos quais compostos pela dívida renegociada com a União em 1998”.

No início de 2021, em meio à pandemia, o que se vê no Rio Grande do Sul é a repetição da mesma receita, os mesmos editoriais, as mesmas medidas de desmonte do Estado. O agravante é que, cada vez mais, o Estado vai perdendo sua capacidade de elaboração de políticas de saúde, de educação, de soberania alimentar e energética. Para Eduardo Leite, Sebastião Melo e seus aliados, a melhor maneira de resolver a crise do Estado é… vender o Estado. No ritmo que vai, não vai sobrar nem o Palácio Piratini nem o chafariz da Praça Montevidéu.

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