Precisamos de uma CPI do Banco Central
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Na última reunião do Copom, a diretoria do Banco Central decidiu aumentar a taxa básica de juros Selic para o abusivo patamar de 11,75% ao ano, e já indicou que a próxima alta elevará a Selic para 12,75% a.a., conforme ata divulgada: “para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude”.
Desde o mês de março de 2021, quando o Banco Central passou a elevar juros sob a justificativa de “controlar inflação”, a Selic já aumentou 488% e não segurou a inflação, que segue alta e crescente, como reconhecido na mesma ata já citada: “A inflação ao consumidor segue elevada, com alta disseminada entre vários componentes, e mais persistente que o antecipado. A alta nos preços dos bens industriais não arrefeceu e deve persistir no curto prazo, enquanto a inflação de serviços acelerou ainda mais. As leituras recentes vieram acima do esperado e a surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como nos mais associados à inflação subjacente.”
Por que o Banco Central não percebe a ineficácia da elevação de juros para combater inflação?
Por que não reconhece que a inflação existente no Brasil tem sido produzida principalmente pela elevação dos preços de combustíveis, que afetam os demais preços em cadeia? E que o elevadíssimo preço dos combustíveis é fictício, pois decorre da política de preço de paridade de importação (PPI) adotada pela Petrobras, como se importássemos todo o petróleo consumido aqui, o que é uma mentira, pois produzimos mais de 90% do que consumimos, e poderíamos produzir tudo, não fosse o desmonte da empresa?
É evidente que a diretoria do Banco Central tem conhecimento da ineficácia da elevação dos juros para “combater inflação” no Brasil, pois a causa da inflação – elevação exagerada dos preços de combustíveis, alimentos e demais preços administrados – segue intocada, e tais preços não se reduzem quando os juros se elevam, como a prática tem demonstrado atualmente e em todos os períodos anteriores em que isso aconteceu, em especial a partir de 2014, quando a crise foi fabricada.
É evidente também que tanto a diretoria do Banco Central como todas as autoridades de todos os poderes sabem que quando a Selic sobe, todas as demais taxas de juros praticadas no mercado também sobem, e têm conhecimento dos nocivos impactos negativos que a elevação dos juros provoca à vida das pessoas, às empresas e às contas públicas:
- a chamada dívida pública explode, aumentando o rombo orçamentário para pagar os extorsivos juros;
- empresas vão à falência por não conseguir acessar créditos em condições viáveis de sustentabilidade, aumentando o desemprego;
- famílias deixam de realizar seus projetos, porque o crédito fica excessivamente caro, reduzindo a atividade econômica.
Em resumo: juros altos amarram tudo e levam a economia à inanição, pois o elevado custo do dinheiro impede a sua circulação saudável
O atraso socioeconômico do Brasil ficou evidenciado mais uma vez: descendo a ladeira, agora somos o 13º país no ranking do PIB mundial, ultrapassados pela Austrália!
Uma vergonha para um país riquíssimo, com imensas possibilidades sob todos os aspectos, mas que opta por garantir lucros recordes aos bancos e impedir o funcionamento de sua economia, remunerando-os diariamente pelo dinheiro que eles não emprestam (através do abuso das “Operações Compromissadas” e dos “Depósitos Voluntários Remunerados”), entre outros mecanismos de política monetária suicida que provocaram a crise a partir de 2014, com redução do PIB em cerca de 7% em 2015/2016.
As consequências de todos esses atos injustificáveis vão ficando por isso mesmo, ainda mais agora que o Congresso aprovou a “independência” do Banco Central em projeto de lei flagrantemente inconstitucional, como reconhecido no voto do relator no STF, o qual não se sustentou, talvez por causa das razões explicadas pelo banqueiro e ex-presidiário André Esteves em seu áudio vazado.
A ausência de fundamento técnico, econômico ou até moral (sim, a moralidade é um dos princípios constitucionais que deve reger todo ato público) para justificar a atitude do Banco Central de disparar a Selic; para remunerar régia e sigilosamente a sobra de caixa dos bancos, e para ofertar contratos do questionável swap a sigilosos privilegiados, justifica a instalação de uma CPI do Banco Central!
E o Congresso Nacional?
O Congresso Nacional precisa reconquistar a sua relevância e evitar o aprofundamento ainda mais grave da crise que enfrentamos desde 2014, provocada principalmente pela política monetária suicida do Banco Central.
Como falamos em outro artigo Banco Central dispara juros e aprofunda crise fabricada, o aumento da Selic se mostra como um dos perversos ingredientes do projeto de destruição do país e de nossas possibilidades de desenvolvimento socioeconômico. E é evidente que as autoridades de plantão sabem disso! #ÉHORAdeVIRARoJOGO
Maria Lúcia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e integra a Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da CNBB. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.