OPINIÃO

Coração, coitado

FRAGA / Publicado em 9 de setembro de 2022

Ilustração: Rafael Sica

Ilustração: Rafael Sica

Dom Pedro, quem diria, veio ao Brasil outra vez. Se o país tivesse voz própria, na ausência de trono poderia receber o imperador com Cadeira Vazia, do Lupi: Voltaste, estás bem / Estou contente / Mas me encontraste muito diferente.

Seria um bom alerta ao Pedro I, que também mudou muito. Seu garbo, aquele que Pedro Américo idealizou às margens plácidas do Ipiranga, diminuiu visivelmente. Agora cabe todo numa urna, deitado eternamente em formol.

E o coração de dom Pedro, que em vida palpitou por duas esposas e várias amantes, agora teve que aturar o desnaturado Bozonazi. Puizé: em Brasília, um presidente sem coração recebeu o coração do imperador. Mas não foi transplante, apenas desplante.

De uma urna pra outra, o sobressaltado coração do brasileiro aguarda o 2 de outubro. Cardiopatas ou não, a gente torce que o coração nacional dispare em direção à democracia e não ao golpe. Já são quatro anos de estresse de uso contínuo. Basta! Nunca se vendeu tanto isordil e sustrate.

Mas antes do 2/10 passamos pela ameaça da nitroglicerina do 7/9. Como essa croniqueta foi teclada antes, sei lá se o Brasil sobreviveu ou se o horror patriótico nos levou a uma vasta UTI. Vai que na parada militar a sucata blindada deu vexame e fumacê outra vez e os milicos voltaram à alva paz dos meios-fios e troncos das árvores. Sossega, coração.

Do sobreaviso da farda oliva o coração gaúcho se alarma com a farda parda da brigada militar em São Gabriel: lá, por conta dos corações impulsivos de três brigadianos, um coração parou de bater aos 18 anos. É preciso investigar a fundo não só essa e outras trágicas abordagens a cidadãos, mas indagar insistentemente: o que há de insensível ou de insensato no peito dessa corporação? Policiais também têm coração, mas o cassetete sempre bate mais forte.

Também de doer é a insuficiência cardíaca – não a fisiológica mas a sociológica. Deixar de amar é uma espécie de acidente cardiovascular, porém deixar de se importar com os desfavorecidos aí é sinal de pedra nos aurículos e ventrículos.

É de partir o coração ver esfomeados a comprar osso, pele e pé de galinha, soro de leite, feijão e macarrão quebrado, sobras de frios. Só mesmo supermercadistas empedernidos para lucrar até com a miséria extrema. Como bem diz meu amigo Gilson Camargo: os supermercados só não têm pena. É a política econômica 2G: Ganância a la Guedes.

Sob ela, até no Executivo e no Legislativo o poder aquisitivo caiu muito. Agora os corruptores menos ricos só conseguem comprar governante quebrado, pele de senador, carcaça de deputado e sobras de vereador.

Por essa pressão diária é que já colei um post it no lado esquerdo da caixa torácica: Coração, se eu bobear, bombeia!

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