OPINIÃO

Os velhos ficaram idosos

Por Moisés Mendes / Publicado em 11 de setembro de 2023
Os velhos ficaram idosos

Foto: John Shinkle/ Senado dos Estados Unidos

“Em março, McConnell levou um tombo, bateu com a cabeça e às vezes sai do ar. Se fosse jovem, teria essas ausências? Dizem que ele falha por ser idoso. Mas é mantido como líder do ultraconservadorismo no Senado”

Foto: John Shinkle/ Senado dos Estados Unidos

Um idoso de 80 anos governa os Estados Unidos. Outro idoso de 77 anos governa o Brasil. Um idoso de 72 anos ameaçou de morte o padre Júlio Lancelotti, um idoso de 74 anos que protege os que não têm nada.

Argentina e Chile ainda procuram e prendem seus torturadores da ditadura, mesmo que estejam idosos, alguns com mais de 90 anos. Ainda espanta que autores de crimes bárbaros, como os nazistas, tenham vida longa.

O idoso é hoje protagonista de quase tudo, como talvez nunca tenha sido. Idoso, e não velho. Porque a palavra velho, usada para definir pessoas de idade, envelheceu há muito tempo.

Negros, que já foram afrodescendentes, voltaram a ser negros. Cegos voltaram a ser tratados como cegos, e não como pessoas com deficiência visual, porque são cegos. Mas os velhos deixaram de ser velhos.

No fim de agosto, um senador republicano ficou paralisado em pé, sem dizer nada, olhando ao longe por 20 segundos diante de repórteres. Não um senador qualquer, mas Mitch McConnell, líder do partido. O político tem 81 anos.

Em março, McConnell levou um tombo, bateu com a cabeça e às vezes sai do ar. Se fosse jovem, teria essas ausências? Dizem que ele falha por ser idoso. Mas é mantido como líder do ultraconservadorismo no Senado.

No Rio Grande do Sul, a primeira pergunta de uma repórter de rádio, ao entrevistar Olívio Dutra, em outubro do ano passado, tratava da idade do ex-governador.

A jornalista queria saber: como o senhor se sente participando de novo de uma campanha política, agora ao Senado, com 81 anos?

Olívio disse que se sentia um jovem idoso de 81 anos. A primeira pergunta não tratava de seus planos, seus sonhos e sua história, mas da sua idade.

Getúlio Vargas morreu com 72 anos. Muito antes, desde que voltou ao governo, era chamado de velho. Fizeram uma marchinha de carnaval (marcha é coisa de velho), quando ele tinha 68 anos.

A música pedia para que colocassem o retrato do velho na parede, porque ele governaria o Brasil de novo. Hoje, seria improvável que uma música pedisse: “Bota o retrato do idoso outra vez”.

Hoje, Getúlio seria tratado publicamente como pessoa idosa, como tratam todos os que merecem atendimento preferencial, delegacia do idoso, passe livre nos ônibus.

Por muito tempo, recepcionistas de bancos perguntavam, para saber qual senha fornecer ao cliente, se ele era ‘normal’ ou aposentado. Ofendiam os velhos chamando-os de anormais.

Os jogadores eram velhos, os políticos, os artistas, os professores, os pensadores. Carlos Heitor Cony, que morreu idoso, publicou um dia essa frase dos escritos de Machado de Assis: “No meu tempo, já existiam velhos, mas poucos”.

E os velhos foram ficando mais velhos e muitos. O mundo passou a ser habitado por velhos que viraram idosos, mas pouca coisa mudou além da nomenclatura, que também é uma palavra velha.

E assim Jane Fonda chegou aos 84 anos. Sofia Loren tem 87. Nossos amigos ficaram idosos e nos surpreendem com a sensação de que estão cada vez mais envelhecidos e esquecidos, enquanto nos olham e pensam a mesma coisa.

Servidores públicos federais, incluindo as professoras de universidades, não podem ser idosos no serviço ativo com mais de 75 anos. A presidente do Supremo, Rosa Weber, terá de se aposentar compulsoriamente por ter chegado a esse limite.

Mas Mick Jagger, sem imposições sumárias, canta, pula e dança aos 80 anos. Os shows de rock no mundo todo reúnem bandas de idosos. As bandas de rock de jovens são cada vez mais raras.

Os maiores disseminadores de fake news em grupos de whats são idosos. Foram eles que disseminaram o blefe do golpe de Bolsonaro.

Os mesmos que acampavam diante dos quartéis à espera de marcianos golpistas. Manés idosos com a bandeira nas costas, liderados por um idoso fascista de 68 anos.

O jornalista de extrema direita Alexandre Garcia, de 82 anos, espalhou agora que a tragédia das cheias no Vale do Taquari foi causada pelas barragens construídas pelo PT.

Abriram as comportas no meio da chuvarada, alagaram as cidades e mataram mais de 40 pessoas. É o que ele conta impunemente na internet.

A manchete do Estadão esses dias era esta: Cresce o número de brasileiros morando com idosos. São 25% da população. Pessoas de todas as idades estão encostadas em idosos com mais de 65 anos. Por falta de emprego e renda.

Nunca os idosos sustentaram tanto os mais jovens como agora. Sustentam filhos, netos, bisnetos, sobrinhos e a economia.

Nunca o mundo teve tantos idosos, porque nunca as pessoas alongaram tanto suas vidas. No Brasil, o contingente com mais de 65 anos era de 7,7% da população em 2012. Hoje, é de 10,5%. Para cada grupo de 80 homens idosos, há 100 idosas.

Estamos no século dos idosos, depois do século 20 da afirmação da existência, dos direitos e das vontades das crianças e dos jovens.

Depois das guerras, o mundo descobriu que infância e juventude existiam e que os jovens também falavam, questionavam e se rebelavam.

Hoje, não adianta teimar. O mundo é orientado como nunca por idosos machos, sempre com a inferioridade numérica das idosas em todas as áreas de liderança e comando. Dilma Rousseff, com 75 anos, é uma das exceções na chefia do banco do Brics.

E quanto mais temos o direito de envelhecer, mais esquecemos do que fomos. Em 1906, o médico Alois Alzheimer informou em congresso científico na Alemanha que havia identificado uma doença neurológica degenerativa.

Machado de Assis morreu dois anos depois da descoberta. Seus velhos esclerosados do século 19, agarrados aos seus restos de memória, seriam os idosos com Alzheimer do século 21.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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