Arte: Rafael Sica
Arte: Rafael Sica
Graças ao Bolsa-Ódio virá um novo tempo: o ódio ruminante a serviço das reações irracionais.
O ódio, essa endemia verdosa e amarelona, tá no ar: rosna nas ruas, reina nas redes, rola ao redor. Só que, ao contrário do ódio tradicional – civilizado e bem motivado – aparenta ser um ódio tosco, de gente despreparada até pra odiar direito. Assim não dá, né?
Sorte que nosso mandatário é PhD no assunto: acima de tudo e de todos, ele odeia os que não se odeiam. Com tão primitiva aptidão, certamente criará o programa Bolsa-Ódio, ou coisa parecida. Incentivo oficial para que toda a população se agrida por igual, sem amadorismo. Assim o governo poderá atingir a principal meta social neste 2019 cada vez mais antissocial: acabar com o pacifismo. Se é que alguma vez houve isso entre nós.
O Bolsa-Ódio, imagino eu, prevê capacitar zilhões de brasileiros a odiar em alto estilo e som estéreo. Todos que votaram no capitão e todos os derrotados nas urnas vão poder, afinal, se atracarem dentro de normas odientas. Tudo no mais elevado e odioso padrão. Chega dessa bagunça de odiar a esmo, tipo nunca te vi, sempre te odiei.
No programa Bolsa-Ódio o brasileiro aprenderá, antes de mais nada, o ódio politicamente correto: aquele que os nobres deputados e suas excelências senadores praticam lá entre si, no plenário. Com isso deixam de se ocupar de pautas em favor do Brasil. Lógico: eles odeiam o país, senão já teriam dado um jeito nele. Quer ódio mais exemplar que esse?
Quanto à vocalização do ódio, inclui verbos adequados à expressão dos odiadores: bradar, berrar, esbravejar, ulular, urrar, vociferar. Acabam as gritarias inócuas, com verbos meigos e mansos. Onde já se viu ódio educado, que nem despentear antagonistas consegue? O discurso do ódio tem que se diferenciar do simples bate-boca, dar vazão aos instintos animalescos.
Além do tom que melhor expressa ódio, o curso deve oferecer dois níveis de preparação odiosa, cada um com seu grau de carnificina pertinente.
Para iniciantes, exercícios de mímica facial, pra aprender a revirar os olhos por qualquer coisinha e a andar de olho armado 24h por dia, inclusive durante o sono. Já pensou, olhares que além de dardejar, fuzilem e metralhem? Ódio de olhadores de elite!
Quanto aos veteranos, poderão aperfeiçoar a mira de rancores e a potência da raiva acumulada. Ter ódio virulento sob controle para só deixar explodir em manifestações públicas, discussões no trabalho, em atritos ideológicos.
Graças ao Bolsa-Ódio virá um novo tempo: o ódio ruminante a serviço das reações irracionais. Não vejo a hora de melhorar meu ranger de dentes e espumar a boca com maestria. Tomara que o governo abra concurso para fomentadores de ódio em todos os escalões. O modelo presidencial taí pra isso.
Fraga é humorista, publicitário, jornalista e editor. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe