OPINIÃO

Apetitosos

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 17 de outubro de 2022

Arte: Edgar Vasques

Arte: Edgar Vasques

À ideia de que não somos mais do que uma erupção passageira na superfície de um planeta menor numa galáxia entre trilhões de outras se antepôs, ultimamente, a convicção – agora não mais religiosa, mas cientificamente plausível – de que o Universo existe para a gente existir.

O fato de a Terra estar na distância exata do Sol para haver vida como a nossa – um pouquinho mais perto ou um pouquinho mais longe e nem você, eu ou qualquer outro mamífero seria possível – é apenas uma amostra dessa grande deferência conosco.

Somos a razão de tudo, o resto é cenário ou sistema de apoio. E não fazemos feio entre os mamíferos. Nenhuma outra espécie com a mesma proporção de peso e volume se iguala à nossa.

Nosso habitat natural é o planeta todo, independentemente de clima e vegetação. Somos a primeira espécie da História a controlar a produção do seu próprio alimento e a sobreviver fora do seu ecossistema de nascença.

Em nenhuma outra espécie as diferentes categorias se intercasalam como na nossa, o que nos salvou do processo de seleção natural que militou nas outras.

E o que a nossa sociabilidade não conseguiu, a técnica garantiu. Mutações que decretariam o fim de outra espécie em poucas gerações, na espécie humana são corrigidas ou compensadas pela técnica. Exemplo: a visão. Enxergamos menos do que nossos antepassados caçadores e catadores, mas vemos muito mais, graças à oftalmologia e a todas as técnicas de percepção incrementada.

Mas nosso sucesso tem um preço. Chegamos aonde estamos consumindo tudo à nossa volta e hoje somos tantos que também nos transformamos em recursos consumíveis.

Em breve, a carne humana superará em valor calórico todas as outras fontes de alimento disponíveis sobre a Terra. E 10 mil anos ingerindo comida cultivada, mesmo com a maioria só comendo para subsistir, nos tornaram cada vez mais apetitosos e nutritivos.

Gente já é o principal exemplo de recurso subexplorado do planeta. E as leis da evolução são impiedosas: comunidades virais e bacteriológicas se transformam para nos incluir, cada vez mais, na sua dieta. Já que estamos ali, aos bilhões, literalmente dando sopa.

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