WEISSHEIMER

Como chegamos a esse ponto

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 13 de setembro de 2009

O assassinato do agricultor sem-terra Elton Brum da Silva, dia 21 de agosto, pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul, expôs dramaticamente o fracasso de uma política de segurança pública que tem na repressão a sua marca definidora. Repressão esta que não se limita ao universo do crime, atingindo também setores organizados da sociedade que lutam por melhoria da vida. Essa exposição veio com requintes de crueldade e covardia: como se sabe desde o dia 21, o sem-terra foi morto pelas costas com um tiro de espingarda calibre 12. Incrivelmente, em um primeiro momento, oficiais da Brigada Militar declararam que Elton tinha sido vítima de um “mal súbito”. A mentira não durou muito tempo, com a confirmação, pelo hospital de São Gabriel, que o “mal súbito” tinha sido de chumbo. Para além das responsabilizações individuais pelo trágico acontecimento, há também o tema da responsabilidade política pelo episódio.

É importante lembrar que essa concepção de política de segurança começou a ganhar mais força no estado no início do governo Germano Rigotto (PMDB), com amplo suporte midiático, é importante dizer. Logo após assumir a Secretaria de Segurança, José Otávio Germano (PP) – hoje acusado de integrar uma quadrilha que agia no Detran – declarou em uma entrevista ao programa Polícia em Ação que, na sua gestão, a polícia passaria a agir “sem freio de mão” para defender os “homens de bem”. A aversão ao freio de mão foi radicalizada no governo Yeda Crusius (PSDB). As ideias do coronel Mendes assumiram as rédeas na Brigada Militar e atingiram seu ápice de truculência na semana passada, com o assassinato, pelas costas, do sem-terra.

Homicídios aumentaram 7,9% no RS

Qual é mesmo o legado dessa política para a segurança pública da população gaúcha? Melhorou a segurança e a relação da polícia com a sociedade? Tomando como exemplo o período em que o coronel Mendes permaneceu no comando da Brigada, os resultados são pífios, para dizer o mínimo. Segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os homicídios dolosos no Rio Grande do Sul aumentaram 7,9% entre 2007 e 2008, passando, em números absolutos, de 1.557 (2007) para 1.646 (2008). Esse aumento foi proporcionalmente maior ao índice de estados como o Rio de Janeiro (3,0%), São Paulo (-7,8%) e Pernambuco (-2,8%).

Quanto à relação com a sociedade, as imagens que ganharam destaque nacional nos últimos anos foram as de policiais reprimindo manifestações sociais com bombas, cavalos, espadas e balas que acabaram por produzir uma vítima fatal. E no colo do governo onde o “freio de mão” foi solto, cabe lembrar, há outro cadáver, o do sindicalista Jair da Costa, morto pela Brigada Militar durante uma manifestação de trabalhadores, em Sapiranga, em 2005.

Esses números e fatos são alguns dos resultados mais visíveis da truculenta retórica, encarnada em sua expressão mais pura pelo coronel Mendes e que fez da pirotecnia ideológica um princípio de política de segurança. Eles demonstram que aqueles que mais usam (e abusam) da retórica punitiva são os que menos fazem de concreto para a segurança da população.

O desmantelamento da Ouvidoria da Segurança

Outra expressão dessa política foi o desmantelamento da já frágil estrutura da Ouvidoria da Segurança Pública. Na avaliação do ex-ouvidor Adão Paiani, uma vida poderia ter sido poupada, se houvesse uma Ouvidoria atuante, eficiente, fiscalizadora e mediadora de conflitos. A tentativa de criar essa estrutura, segundo ele, foi impedida por Yeda Crusius. “A governadora é responsável juntamente com o alto comando da Brigada Militar, comandante- geral, sub-comandante-geral e chefe do Estado Maior e ainda, com o secretário da Segurança Pública, por esse episódio desastroso, que mancha a Brigada de uma forma lamentável e desnecessária. E todo esse alto comando, em um país minimamente sério, deveria ser imediatamente afastado de suas funções”, defendeu Paiani em um artigo intitulado Temos um corpo.

O assassinato de Elton Brum da Silva acrescentou um novo ingrediente à crise política no estado. Cercada por denúncias de corrupção e acusada de integrar uma quadrilha que estaria instalada no governo, Yeda Crusius tem que responder agora também pelo assassinato de um agricultor sem-terra, morto pelas costas por um agente de segurança do Estado, e por uma política de segurança cada vez mais contestada.

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