As balas de prata de Bolsonaro contra a democracia brasileira
Foto: Mayke Toscano/Gcom-MT
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, liberou o vídeo da reunião ministerial do governo Bolsonaro realizada no dia 22 de abril, no contexto do processo envolvendo as acusações trocadas entre o presidente da República e o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre interferências na Polícia Federal.
A divulgação do vídeo se deu de modo fragmentado e sem seguir, necessariamente, a linha temporal da reunião e dos assuntos tratados na mesma. Isso dificultou um pouco a percepção do “conjunto da obra” e levou muita gente a afirmar que, no fim das contas, a reunião não teria trazido a “bala de prata” capaz de fazer um grande estrago na imagem de Bolsonaro.
Levando em conta a conjuntura política que vive o país, não parece ser uma questão pertinente se o vídeo tinha ou não uma “bala de prata” contra Jair Bolsonaro, até porque balas de prata só são “balas de prata” em um Estado Democrático de Direito, o que é cada vez mais discutível no caso do Brasil.
No vídeo, pudemos ver o presidente, um dia antes de demitir o superintendente da Polícia Federal, afirmar: “Eu não posso ser surpreendido com informações. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações. Eu vou interferir sim…” E mais: “o serviço de informações (do governo) é uma vergonha. O meu serviço particular (de informação) funciona”.
Ficamos sabendo, assim, que o presidente da República tem um serviço de informação particular. Tudo isso para não falar do “detalhe” de que uma reunião ministerial, no momento em que milhares de brasileiros e brasileiras estão morrendo de Covid-19, simplesmente não tratou da dor e sofrimento que atravessam milhares de famílias brasileiras.
Essa seria, aliás, em uma sociedade civilizada e democrática, a verdadeira bala de prata desse vídeo. Uma bala de prata, porém, desferida contra a própria população do país, com a cumplicidade e participação direta das Forças Armadas que, em tese, deveriam zelar pela segurança de seu povo.
Mas essa não foi a única bala de prata desferida contra a sociedade brasileira naquela reunião. Tivemos o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, convocando um esforço de seus colegas para aproveitar o momento de tranquilidade na mídia, “só preocupada com a pandemia”, para fazer “passar a boiada” em termos de desregulamentação da legislação ambiental. Relembrando as palavras do ministro:
“Nós temos a possibilidade, neste momento em que a atenção da imprensa está voltada quase que exclusivamente para o Covid (…), a oportunidade que temos já que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas essas reformas que dão segurança jurídica, previsibilidade.
É preciso ter um esforço nosso, enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, que só fala de Covid, e ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento”.
Tivemos também o ministro da Educação, Abraham Weintraub, dizendo que odeia a expressão “povos indígenas”, e a ministra da Família, Damares Alves, mostrando-se espantada com o número de ciganos que existe no Brasil e com as crianças que estão nascendo em territórios quilombolas.
Entre a “boiada” que Ricardo Salles quer fazer atravessar a porteira merece atenção especial o Projeto de Lei 2633/2020, que veio em substituição à Medida Provisória 910, que ficou conhecida como MP da Grilagem. Diante da forte reação social que barrou a MP, o PL veio com uma nova roupagem.
Na MP era evidente que o foco de interesse do governo era a regularização do desmatamento, especialmente na Amazônia, da criação de gado e plantio de soja em áreas públicas, especialmente em terras indígenas e terras quilombolas ainda não regularizadas.
A nova roupagem, apresentada no PL 2633, consiste em afirmar que ela vai beneficiar pequenos posseiros, que não conseguem financiamento para produzir porque não tem título da terra. Na verdade, a perspectiva é que os títulos regularizados desses pequenos posseiros sejam transferidos para grandes proprietários, que são também grandes desmatadores da Amazônia.
Em 2019, cabe lembrar, segundo levantamento do Mapbiomas, uma articulação de universidades, ONGs e empresas de tecnologia, 99% do desmatamento feito no Brasil foi ilegal. Quantas balas de prata mais serão necessárias para matar a democracia e a liberdade no Brasil?