POLÍTICA

O Rio Grande tem jeito?

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 23 de agosto de 2006

O Rio Grande do Sul está em crise. Essa é uma das frases mais ouvidas no Estado nos últimos anos. O futuro governador entrará no Palácio Piratini com um singelo desafio já no seu primeiro mês: conseguir dinheiro para pagar a folha salarial do funcionalismo. Além disso, precisará desenvolver políticas que garantam um mínimo de investimentos na infra-estrutura do Estado, especialmente no setor de energia. Nos últimos anos o RS entrou em declínio econômico, crescendo abaixo da média nacional. Uma conjunção de fatores contribuiu para isso: seca, uma política cambial desfavorável que teve impacto negativo nas exportações, aumento de impostos em setores estratégicos para a economia e a crise financeira estrutural do Estado.

Dez candidatos postulam o direito de caminhar pelo tapete vermelho do Piratini no dia 1° de janeiro de 2007. Três deles já passaram por essa experiência: Germano Rigotto (PMDB), Olívio Dutra (PT) e Alceu Collares (PDT). Os outros sete são: Yeda Crusius (PSDB), Francisco Turra (PP), Beto Grill (PSB), Edison de Souza (PV), Pedro Couto (PSDC), Roberto Robaina (PSOL) e Guilherme Giordano (PCO). As primeiras pesquisas apontam quatro deles com maiores chances na disputa: Rigotto, Olívio, Yeda e Collares. Como a maioria deles já teve experiência de governo, em nível estadual e federal, sabem muito bem que não há nenhuma solução mágica para resolver o problema da crise financeira do Estado. Entre as coordenações das campanhas, comenta-se inclusive, em tom anedótico, que ninguém quer estar na pele do futuro governador. Mas todos querem o cargo. Há uma razoável unanimidade de que qualquer solução passa por uma rediscussão com a União sobre o pagamento da dívida. É o famoso tema de um novo pacto federativo que envolveria uma redefinição da relação tributária entre os entes federados (União, Estados e Municípios). Mas esse é um debate que vem se arrastando há anos e, no momento, não tem perspectiva de solução no curto prazo. Um dos desafios do futuro governador será justamente o de tentar alterar este cenário.

A produção industrial do RS fechou 2005 com o pior resultado entre os 14 locais pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O indicador acumulado de janeiro a dezembro teve resultado negativo de -3,5%, bem abaixo da média nacional no período, que foi 3,1%. No ano, 11 dos 14 ramos pesquisados no RS tiveram recuo na produção. Os maiores impactos negativos vieram de máquinas e equipamentos (-19,1%), calçados e artigos de couro (-5,2%) e produtos químicos (-5,8%). Os índices negativos não param por aí. O Índice de Desempenho Industrial do RS (IDI-RS) teve, em 2005, seu pior resultado desde que começou a ser medido, em 1992. Na comparação com 2004, a queda foi de 5%.

Todas as variáveis que compõem o índice apresentaram percentuais negativos. Segundo a assessoria econômica da Federação das Indústrias do Rio Grande Sul (Fiergs), responsável pela elaboração do índice, os números são conseqüência de “variáveis macroeconômicas e problemas regionais”. Entre as primeiras estão a valorização do real e as altas taxas de juros. Entre os problemas regionais, a Fiergs destaca a restrição imposta pelo governo estadual ao uso dos créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e os problemas causados pela seca. A crise também afetou a geração de empregos no Estado. Em 2005, foi registrada uma redução de 17.060 postos de trabalho. Somente na indústria calçadista, 16.160 trabalhadores foram demitidos em 2005.

O presidente da Fiergs, Paulo Tigre, acredita que o desempenho industrial em 2006 será melhor, até porque a base de comparação será baixa, considerando o péssimo resultado de 2005. Esse desempenho teve reflexos imediatos na saúde econômica do Estado. Em 2001, o RS chegou a atingir a posição de segundo Estado exportador do país. Em 2005, chegou próximo da quarta posição. A participação do Estado nas exportações brasileiras, que era de 10,5% em 2000, caiu para 9,0% em 2005. No ano passado, enquanto as exportações brasileiras cresceram 23,4%, até setembro, a média gaúcha foi de apenas 4,5%.

O dramático problema da dívida

Se os índices da economia são negativos, a situação da dívida pública é ainda pior. A dívida consolidada do Estado, que era de pouco mais de R$ 26 bilhões em 2003, em abril de 2006 chegou a mais de R$ 32 bilhões, apesar de o Estado pagar mais de R$ 1 bilhão este ano em juros. Somente em 2004, o serviço da dívida comprometeu 14,6% da receita corrente líquida do Estado. As previsões indicam que esse comprometimento chegará a cerca de 19% ao final deste ano. Esse quadro de endividamento está acima do que é permitido pela Resolução n° 40 do Senado Federal, que prevê que a dívida líquida dos estados não pode superar o equivalente a duas vezes sua receita corrente líquida. Segundo o secretário estadual da Coordenação e Planejamento, João Carlos Brum Torres, o debate sobre a crise financeira do Estado deve partir do reconhecimento de que o dese-quilíbrio das finanças públicas gaúchas tem um caráter histórico e estrutural. Trata-se, argumenta Brum Torres, de uma situação que não foi construída do dia para a noite, nem em uma única gestão ou governo.

O acordo de renegociação da dívida, assinado em 1998 pelo ex-governador Antônio Britto e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não ajudou a melhorar esse quadro, representando uma despesa de cerca de R$ 1,8 bilhão por ano. Esse valor acabou se tornando mais um fator de estrangulamento para o Estado. Desde 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal proibiu a renegociação direta entre entes federados de contratos de dívidas. Pensando numa forma de superar essa limitação, o ex-secretário da Fazenda do Estado, Arno Augustin, juntamente com o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, apresentaram, em julho, uma proposta de operação de renegociação para o pagamento da dívida do Estado com a União envolvendo o Banco Mundial. O Bird tem programa específico para reestruturação de dívidas do setor público e não há vedação da Lei de Responsabilidade Fiscal para este tipo de transação. Essa proposta, segundo eles, poderia reduzir de 13% para 9% o comprometimento do Estado, significando uma economia de R$ 600 milhões para os cofres públicos.

Os termos do “Pacto pelo Rio Grande”

Uma outra iniciativa para tentar apresentar uma solução partiu do parlamento estadual. Ao aprovar um projeto de lei que trata da Lei de Diretrizes Orçamentárias e dita princípios para a elaboração do Orçamento relativo ao exercício de 2007, a Assembléia Legislativa tentou desenhar um novo cenário na busca do equilíbrio das contas públicas, com a eliminação do déficit financeiro estrutural de R$ 1,2 bilhão nos próximos quatro anos e sua transformação em saldo positivo, findo esse período. O chamado “Pacto pelo Rio Grande” pretende oferecer uma solução de caráter estrutural para os problemas financeiros do Estado. Mas ele não vai facilitar a vida do futuro governador no curto prazo. Os deputados deliberaram que não serão prorrogadas as alíquotas do ICMS para combustíveis, telefonia e energia elétrica em vigor desde 2004. Ou seja, o futuro governador assumirá com menos dinheiro em caixa.

Ainda segundo os termos do acordo do pacto, que vai até o final de 2010, em lugar do congelamento das despesas, os poderes terão a faculdade de aumentar em até 3% as despesas de pessoal para garantir o crescimento vegetativo da folha salarial. E mais: cada poder implementará um teto salarial; será implementado de imediato um Fundo de Previdência para os novos servidores; ficam proibidas anistias fiscais decorrentes de programas como o Refaz; também a prorrogação ou renovação de contratos de incentivo do Fundopem e do Integrar/RS; e o Orçamento será uma peça calcada na realidade, sem recursos artificiais. A reação aos termos desse acordo, que exige novos sacrifícios por parte dos servidores públicos, não demorou. Juízes, professores e outros setores do funcionalismo condenaram o acordo e anunciaram a intenção de propor ações na Justiça.

“Situação catastrófica”

Em um artigo publicado no jornal O Globo (14/07/2006), Miriam Leitão escreveu sobre a situação crítica das economias dos estados da região Sul, especialmente o RS. Falando sobre a situação da região de Santa Rosa, um dos principais pólos do agronegócio no Estado, o deputado federal Omar Terra (PMDB-RS) reconheceu: “Há dois anos estamos em crise, mas nos últimos 60 dias a situação é catastrófica”. “Não é conversa de político e não é apenas Santa Rosa, ou Horizontina, ou Santo Ângelo, cidades próximas. As estatísticas confirmam que todo o Sul está em crise, e o RS está em recessão há dois anos”, registrou a jornalista. Com um agravante. A consultoria MB Associados alertou que o crescimento no Brasil está assimétrico: “O país cresce muito no Norte, tem bom crescimento no Nordeste e no Sudeste, e despenca no Sul. Em 2005, o PIB gaúcho caiu 4,8%”.

A MB levantou os seguintes dados: “A indústria de calçados teve queda na produção no Brasil inteiro, mas as vendas cresceram em São Paulo e no Nordeste. Já no Sul, estão em queda tanto a produção quanto a venda. A queda da produção tem a ver com o aumento das importações de 14% nos 12 meses terminados em março. A das vendas é reflexo do resto da economia. Há várias crises na região. Uma delas, por fatores naturais. O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) informa que os reservatórios do Sul estão com água num nível de apenas 29% (no Sudeste, estão em 80%). Mas não são apenas flagelos naturais. Numa economia em crise, o câmbio baixo está piorando tudo. As fábricas de máquinas agrícolas estão paradas e o país está importando tratores da China”.

Dívida inviabiliza investimentos

A atual situação financeira do Estado é dramática e o futuro governador não terá tempo para respirar, antes que os problemas aterrissem em sua mesa de trabalho. Em abril de 2005, o atual governo estadual recorreu ao instrumento do aumento de imposto para enfrentar, no curto prazo, seu déficit de caixa. O Executivo aumentou de 25% para 29% as tarifas em telecomunicações, energia e combustíveis, gerando um incremento de 18% na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). O problema é que esse aumento tem prazo de validade definido: o final de 2006. Ou seja, o futuro governador assumirá o Palácio Piratini com um buraco no orçamento do Estado. Durante um debate na Assembléia, o secretário João Carlos Brum Torres reconheceu que a carga tributária deveria ser mantida ou até mesmo aumentada, considerando que as despesas do Estado não diminuirão no próximo ano.

As dívidas de precatórios representam outro problema crônico que vem sendo arrastado com a barriga, governo após governo. O RS é o sexto Estado da federação em valores de dívidas de precatórios, com R$ 2,3 bilhões. Os três primeiros são São Paulo, com R$ 13,6 bilhões; Espírito Santo, com R$ 6,6 bilhões; e Minas Gerais, com R$ 5,3 bilhões. A dívida total com precatórios no país, de estados e municípios, de acordo com dados da Secretaria Nacional do Tesouro, chega a R$ 63,3 bilhões. No dia 11 de julho, o governo do Estado apresentou um projeto de lei de criação de um Fundo Estadual de Precatórios (FEP/RS). Os recursos serão compostos por 10% da receita bruta da cobrança judicial da dívida ativa do Estado, que está em cerca de R$ 13 bilhões, 30% de receitas patrimoniais com vendas de imóveis, rendimentos de aplicações do fundo e uma dotação orçamentária de R$ 5 milhões ainda em 2006.

Risco de apagão?

No dia 5 de julho, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, garantiu que a situação energética da região Sul é tranqüila, mesmo com a seca que atinge a região. Segundo ele, o Sistema Interligado Nacional está transferindo, atualmente, 5 mil megawatts (MW) para a região Sul, havendo ainda espaço para aumentar o envio de energia (até 7 mil MW). No entanto, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico já está buscando maneiras de viabilizar elevações nos limites de transferência de energia da região Sudeste para o Sul, em função do baixo índice de chuvas.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, também nega o risco de um apagão no Sul do país, apesar da ameaça de uma nova estiagem. No RS, já são 80 municípios com racionamento de água. No Paraná, são 42 e, em Santa Catarina, já passa de uma dezena. Segundo ela, os sistemas de transmissão estão operando bem e a oferta de energia é suficiente para garantir o abastecimento. No curto prazo, assim, o problema mais grave mesmo parece ser a saúde financeira do Estado. Neste ponto, o que prevalece é a lógica da bola de neve descendo montanha e ficando cada vez mais ameaçadora. A recente tentativa de firmar um pacto entre as principais forças políticas do Estado é o sinal mais evidente disso. Diante do tamanho da dívida, o espaço para promessas e soluções mágicas está cada vez mais restrito.

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