Ligações perigosas
Em uma disputa eleitoral na qual nomes de peso tanto no cenário nacional como no regional vão se enfrentar, e que, em se tratando da presidência da República, pela primeira vez em 20 anos Luiz Inácio Lula da Silva não está no páreo, outra característica chama a atenção de quem transita nos meios político-partidários. É a busca que todos os candidatos das chapas majoritárias fazem por coligações amplas, que extrapolam vertentes ideológicas ou semelhanças programáticas.
Foto: Fábio Rodrigues
Há quem explique este aumento de tentativas de coligações já no primeiro turno da eleição de forma objetiva: foi a norma seguida durante os dois mandatos do presidente Lula, e deu certo. No Congresso, o governo, que tem o apoio de siglas como PMDB, PTB e PP, coleciona vitórias. A maioria ampla e o apoio mútuo entre Executivo e Legislativo ajudaram na superação de crises como a do Mensalão e a do Senado. Sem uma oposição numerosa, o governo sofre menos desgastes. Estes fatores, aliados a medidas certeiras na economia, ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e ao Bolsa-Família, deram resultados que podem ser verificados nas diferentes pesquisas de opinião sobre o governo. Elas mostram que Lula tem a aprovação de mais de 80% da população e que quase 60% diz votar no candidato que o presidente indicar. Os bons índices do governo e do presidente acabam por fazer com que quase todos os candidatos queiram “colar” sua imagem à do governo federal, o que leva a novas e intermináveis tentativas de coligações. “Nesta eleição, bater no governo é quase um suicídio político”, assinala o coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do RS (Ufrgs), Benedito Tadeu Cesar.
No quadro nacional, a questão das coligações e do apoio do e para o governo se mantém no centro da sucessão presidencial. A ministra chefe da Casa Civil e candidata do PT à presidência da República, Dilma Rousseff, terá como vice um nome forte do PMDB, sigla que esteve aliada aos dois governos anteriores do PSDB, partido este que hoje se caracteriza, no cenário do país, como o mais forte opositor do PT e do governo. “O que precisamos nos perguntar é se as coalizões são mesmo tão necessárias e para quem elas são boas. Se para a população ou para os políticos. A experiência recente tem indicado que não são boas para a população porque nelas se juntam blocos e correntes que acabam por gerar um processo no qual o país nunca consegue alcançar um perfil transformador, fica sempre com uma âncora conservadora”, avalia o coordenador de Projetos da Transparência Brasil e especialista em Transparência e Combate à Corrupção, Fabiano Angélico.
Busca por espaço na TV
Na política partidária são duas as principais justificativas para o fechamento de alianças de diferentes partidos. Durante as campanhas, os candidatos visam principalmente aumentar o tempo disponível nos programas gratuitos de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Ela ainda tem forte influência sobre o eleitorado, ao contrário do que, conforme o coordenador de Projetos do Transparência Brasil, Fabiano Angélico, ocorre em outros países, onde a população busca mais por diferentes fontes de informação.
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Os minutos de exposição são calculados com base na Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece as normas para as eleições. O tempo total (50 minutos, divididos em dois blocos de 25 minutos) é repartido entre todos os partidos com candidato e representação na Câmara dos Deputados. Um terço do tempo (aproximadamente 17 minutos) é repartido igualitariamente. Os outros dois terços são divididos de forma proporcional, conforme o número de representantes do partido na Câmara dos Deputados resultante da última eleição. Quando há coligação, são somados os representantes dos partidos aliados na Câmara.
Conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o PMDB, em bloco com o PTC, é o líder em número de representantes na Câmara, com 92 parlamentares eleitos em 2006. Seguem-se o PT (77), o PSDB (57) e o DEM (55). O bloco formado por PSB, PCdoB, PMN e PRB vem em quinto lugar, com 50 deputados. Os números permitem entender parte dos motivos que fazem o PT cortejar tanto o PMDB no cenário nacional (além do fato de o PMDB possuir o maior número de prefeitos e governadores, o que garante cabos eleitorais de peso em praticamente todo o país). E também o que leva siglas com os mais diversos matizes ideológicos a procurarem, no cenário regional, pelo DEM.
Finda a eleição, a justificativa para as alianças é a garantia da governabilidade, ou seja, o Executivo possuir uma maioria no Legislativo, de forma a aprovar projetos com tranquilidade e não enfrentar uma oposição que, quando numerosa, faz com que práticas às vezes usuais para os políticos se transformem em denúncias ruidosas. Para Angélico, o problema não são as coligações em si, pois negociações para ampliar base de apoio ocorrem em todos os governos.
“No Brasil, as bases sobre as quais elas são construídas, que incluem a troca de cargos por apoio e vistas grossas para atos de corrupção, é que perduram. Em democracias menos jovens, há mecanismos que visam proteger o sistema. Entre eles, o predomínio do exercício de funções públicas por pessoas concursadas e não aquelas indicadas por políticos”, cita. “Clientelismo, fisiologismo e corrupção estão inseridos em nossa cultura política. Por isso, as práticas seguem as mesmas”, completa o professor Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB). Caldas está entre os muitos que apostam que, caso o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), vença a eleição presidencial, no momento seguinte metade da coalizão que hoje está com Lula e apoia Dilma migra para o PSDB.
Inclusão e ambiente estarão em debate
Para além das coligações, na hora do debate de propostas, são os temas a serem discutidos nas eleições deste ano que podem trazer novidades de fato. O coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do RS (Ufrgs), Benedito Tadeu Cesar, destaca que não será mais uma disputa entre “os bons e os maus”. “Você não pode ser bom aqui e ruim lá. Então, o sujeito vai precisar se distinguir, o que obriga a uma disputa de projetos”, diz, numa alusão clara às duas gestões petistas no governo federal, à ampla política de alianças e às consequências regionais.
“No Brasil, as bases sobre as quais elas são construídas, que incluem a troca de cargos por apoio e vistas grossas para atos de corrupção, é que perduram. Em democracias menos jovens, há mecanismos que visam proteger o sistema. Entre eles, o predomínio do exercício de funções públicas por pessoas concursadas e não aquelas indicadas por políticos”, cita. “Clientelismo, fisiologismo e corrupção estão inseridos em nossa cultura política. Por isso, as práticas seguem as mesmas”, completa o professor Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB). Caldas está entre os muitos que apostam que, caso o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), vença a eleição presidencial, no momento seguinte metade da coalizão que hoje está com Lula e apoia Dilma migra para o PSDB.
O professor Ricardo Caldas lembra que temas como dívida externa e inflação, que pautaram as eleições por duas décadas, agora saem do debate. “Hoje o Brasil é credor do FMI e os candidatos estão todos comprometidos com metas macroeconômicas. Isso muda o debate”, avalia. Segundo ele, as antigas discussões serão substituídas por temas relacionados principalmente à inclusão social e às questões ambientais.
A hora do tudo ou nada
“Vai ser um ano de fortes emoções”. Assim o coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do RS (Ufrgs), Benedito Tadeu Cesar, resume 2010 e o quadro eleitoral posto no RS. Para a afirmação, ele toma por referência as negociações entre os partidos, que ocorrem desde 2008, e as definições que já começaram e se intensificam neste mês de abril. Por enquanto, lideram as pesquisas para o governo Tarso Genro (PT) e José Fogaça (PMDB). A governadora Yeda Crusius (PSDB), o deputado federal Beto Albuquerque (PSB) e o estadual Luis Augusto Lara (PTB) correm por fora, mas, entre políticos e especialistas, a avaliação é de que nem todas as candidaturas se consolidam.
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Fogaça deixou a prefeitura de Porto Alegre em 30 de março para disputar a eleição ao governo. A decisão foi considerada histórica porque, ao sair sem possibilidade de retorno, o ex-prefeito não apenas abriu mão de estar à frente da maior cidade do estado e de um posto cobiçado por dez entre dez políticos que constroem sua carreira na capital. Ele também passou o comando da administração para o PDT, sigla de José Fortunati.
Com o ato, o PMDB aposta todas as suas forças na eleição estadual: “é tudo ou nada”, repetem os partidários de Fogaça. Se ganhar, ele estará consagrado. Chegará ao Piratini amparado por uma aliança que manteve o PDT e terá todas as possibilidades de uma ampla coalizão (em Porto Alegre, o PMDB completa o “núcleo duro” do poder com PDT e PTB, e é apoiado ainda por PP e PPS). Se perder, Fogaça será lembrado pela base peemedebista (e por parte da cúpula), como o político que entregou a prefeitura a outro partido e desperdiçou a eleição.
Por motivos diferentes, analistas políticos avaliam que para o candidato do PT ao governo do estado, o ex-ministro Tarso Genro, esta eleição também é um “tudo ou nada”. Os opositores de Tarso, e parte do partido, consideram que a derrota poderá significar para Tarso uma espécie de fim de linha no que se refere às urnas. Pelo status já alcançado na vida pública (ele foi prefeito de Porto Alegre, candidato ao governo e ministro de várias pastas), ele não poderia voltar a disputar cargos “de início de carreira”. Além disso, tem toda sua trajetória voltada para funções executivas. Mas até hoje não conseguiu vencer uma disputa para o Piratini e, neste pleito, a indicação de seu nome, sem prévias, não foi suficiente para que o PT alcançasse uma ampla aliança, como o próprio Tarso defendia desde a eleição municipal de 2008.
Costurando unidades difíceis
Em uma passagem relâmpago por Porto Alegre, em 20 de março, para participar das comemorações do aniversário do candidato petista ao governo do estado, Tarso Genro, a ministra chefe da Casa Civil e candidata do PT à sucessão presidencial, Dilma Rousseff, ressaltou que seu partido no RS segue unido para a eleição deste ano, e que “Isto é o mais importante”.
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Na série de solenidades que marcaram a transição do governo de José Fogaça (PMDB) para o de José Fortunati (PDT) em Porto Alegre, lideranças de ambos os partidos assinalaram que Fortunati fará um governo de continuidade. O candidato a vice pela aliança PMDB/PDT, deputado Pompeo de Matos, chega a dizer que os dois partidos “são água da mesma vertente, que seguiram por córregos diferentes”.
Enquanto isso, nos bastidores, o PT amarga divergências que dificultam a busca de aliados. O PMDB tenta abafar a disputa entre o grupo dos históricos e o liderado pelo deputado federal Eliseu Padilha. O PDT não tem certeza sobre o que fará à parte de seus prefeitos inclinada à candidatura petista. E a transição na prefeitura da capital é bem menos amistosa do que fazem crer as lideranças partidárias.
Disputas de bastidores e querelas particulares, assinala o professor Benedito Tadeu Cesar, integram o cotidiano político-partidário e precisam ser melhor conhecidas pela população, que, assim, direciona melhor seu voto. No caso desta eleição, assegura ele, não será diferente. “O que pode mudar é a questão dos atuais favoritos. Como ocorreu em 2002 e 2006, existe a possibilidade de um azarão estar na final”.