Quem parte e quem fica?
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Quem assumiu a chefia da Casa Civil após a saída de Dilma Rousseff (PT) para disputar as eleições presidenciais? Quem é o novo ministro da Justiça depois que Tarso Genro (PT) se desincompatibilizou para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul? Quem é mesmo o governador de São Paulo, cargo para o qual José Serra (PSDB) foi eleito em 2006, mas que deixou para também disputar a presidência da República nas eleições de outubro? A dificuldade da lembrança é comum. O atual governador de São Paulo é Alberto Goldman. É a resposta mais fácil porque, afinal, ele foi eleito vice de Serra em 2006, ministro de Itamar Franco, e possui uma trajetória política associada a partidos como o antigo MDB, o PCB e depois o PSDB.
Os casos de Dilma, Serra e Tarso explicitam o que ocorre de dois em dois anos, quando acontecem eleições: as substituições de políticos conhecidos por técnicos quase invisíveis. A debandada aumenta quando as eleições não são municipais e sim gerais, uma vez que estas incluem não apenas a disputa da presidência como também dos governos estaduais e das cadeiras ao Senado (além de vagas na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas). Presidente, governadores, vices, ministros, secretários devem se desincompatibilizar com meses de antecedência (no caso dos eleitos, apenas quando disputarem outro cargo que não o que ocupem).
Quem ficou no lugar de Tarso foi Luiz Paulo Barreto, funcionário de carreira do Ministério da Justiça há 25 anos, antes secretário-executivo, e que assumiu o cargo no início de fevereiro (Tarso saiu antes do término do prazo de desincompatibilização para se dedicar por mais tempo à campanha). No caso de Dilma, que deixou a Casa Civil em 31 de março, a substituta foi Erenice Guerra, sua “braço direito” e que, desde 2005, ocupava o cargo de secretária-executiva. Conhecida entre políticos e jornalistas, a nova ministra-chefe é uma completa estranha para quase toda a população.
Saem os políticos e ficam os técnicos
A troca de políticos em postos importantes por técnicos desconhecidos, ou por vices sobre os quais não são veiculadas muitas informações, confunde um pouco os cidadãos, que nem sempre prestam atenção nos candidatos à vice nas chapas, não têm proximidade com a burocracia estatal e, com as mudanças, acabam identificando ainda menos quem responde por áreas fundamentais da administração pública.
Devido ao impacto que já tiveram, as substituições de presidentes por seus vices no Brasil acabaram se tornando “emblemáticas” da situação. O país teve dois casos famosos: o do presidente José Sarney, empossado após a morte do titular, Tancredo Neves, em 1985, e o de Itamar Franco, que chegou ao mais alto posto executivo da nação depois do impeachment de Fernando Collor, em 1992. A população começou a prestar mais atenção, pelo menos nos candidatos a vice-presidentes. Nestas eleições, acompanha com interesse os passos de Michel Temer (PMDB), vice de Dilma, e Indio da Costa (DEM), vice de Serra. O que não impediu que, em nome dos arranjos políticos, os partidos escolhessem dois deputados que, mesmo bem diferentes, tenham passagens questionáveis na biografia.
A mesma atenção que os eleitores dispensam à corrida presidencial não acontece, por exemplo, em relação a outros cargos importantes, como os de senadores que, em caso de necessidade, são substituídos por seus suplentes. Os suplentes integram a chapa da eleição, ou seja, quando elege o senador, por tabela, o eleitor dá o aval para que o suplente assuma caso seja preciso. “Os suplentes de senadores em geral são financiadores de campanha”, alerta o professor titular de Direito Constitucional da Ufrgs e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), Eduardo Carrion. Em várias outras situações, são familiares do candidato. “Moralidade e honestidade são condição mínima e não basta a norma jurídica. Precisa haver fiscalização constante por parte da sociedade e dos meios de comunicação”, defende Carrion.
Uso da máquina
Foto: Edu Andrade/Divulgação
As regras que preveem que detentores de determinados cargos afastem-se de suas funções para disputar nova eleição foram criadas como um mecanismo para evitar que candidatos se aproveitem de seus postos para algum tipo de vantagem eleitoral (que pode ir desde o acesso a informações privilegiadas até o uso de recursos de forma indevida), o conhecido “uso da máquina”.
A própria legislação, contudo, abriu um precedente complicado a partir da emenda da reeleição. Ou seja, um governador ou presidente que vai tentar ser eleito para o mesmo cargo – caso da governadora Yeda Crusius (PSDB) nestas eleições e dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em pleitos passados – não precisa se desincompatibilizar
“O instituto da reeleição tem consequências nefastas para nossa expressão política”, avalia o professor de Direito Constitucional da Ufrgs e da Fundação Escola Superior do Ministério Pública (FMP), Eduardo Carrion. “É uma brecha enorme nas regras. Vamos considerar, por exemplo, que o político seja presidente da República, ou governador, e candidato. E ele vai viajar, como detentor do cargo que ocupa. É óbvio que não vai fazer comício, mas campanha vai. Fica muito difícil de separar uma coisa da outra”, completa o professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Benedito Tadeu César.
Além da instituição da reeleição, os casos de saída do cargo, na prática, também nem sempre impedem a disputa desigual. Porque difícil de provar, a utilização da máquina pública por candidatos que se desincompatibilizaram de suas funções é, na avaliação dos especialistas, prática corrente na cultura política nacional. “O usual é que, muitos meses antes de se afastar do cargo para concorrer, o político já tenha nomeado para todos os postos-chave dentro da estrutura que chefiava pessoas de sua confiança e que vão fazer sua campanha. Esses cargos todos não tinham que ser cargos de confiança”, explica César.
O professor está entre os que consideram que a alteração deste tipo de prática poderia ser obtida não apenas via legislação eleitoral, mas, principalmente, com uma reforma administrativa que limitasse de forma significativa o número de cargos em comissão, aqueles que dependem apenas de nomeação de partidos e políticos. “É necessário um funcionalismo qualificado, com avaliação de desempenho, prestigiado e bem remunerado. Todo mundo tinha que passar a avaliar o funcionalismo de outra forma, mudar a cultura administrativa”.
Sistema de espólios
O número de cargos de confiança nas diferentes esferas de governo no país é alvo de estudos e levantamentos, mas não há uma quantificação exata, mesmo depois da instituição dos portais de transparência. No governo federal, por exemplo, existem 21.498 cargos de Direção e Assessoramento Superior somente na administração direta. Conforme levantamento realizado em maio pela Revista Época, um terço deles podem ser ocupados por pessoas que não prestaram concurso. O número de CCs nas empresas estatais é difícil de precisar.
O professor Benedito Tadeu César faz comparações com outros países. Ele cita os Estados Unidos, onde, até a virada do século 19 para o 20, funcionava o chamado “sistema de espólios”. Nele, o partido vencedor ficava com as indicações dos cargos e os funcionários apoiavam partidos, mais ou menos como acontece no Brasil. Desde então, contudo, uma série de leis foi sendo implementada de forma a mudar o sistema e impedir as indicações por partidos ou relações pessoais. Já na Inglaterra, por exemplo, é a Secretaria- Geral do Gabinete do primeiro- ministro que se encarrega de prover os cargos da administração.