Sartori corta gastos e a caravana passa
Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini
Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini
Sartori, que marcou a campanha de 2014 com uma espontaneidade que beirou a cafonice, reuniu repórteres e formadores de opinião em dois encontros no Piratini para anunciar que fará uma série de 15 caravanas pelo interior do estado para justificar seu “plano de austeridade”.
A senha foi dada no final de um desses encontros, o primeiro, em que o governador resumiu a situação que espera para os próximos meses: “o estouro vem aí”, disse ele, em meio à incredulidade de alguns jornalistas. Um pouco antes, perguntado se garantia o salário do funcionalismo em dia mesmo com previsão de déficit de R$ 5,4 bilhões em 2015, Sartori foi mais explícito. “Pode acontecer (o atraso) daqui a dois, três meses. Vai depender dos resultados que tivermos com nossas medidas, pois chegará uma hora em que teremos de decidir. Se não tiver dinheiro não tem como pagar”, resumiu o governador.
É provável que Sartori tenha sido até otimista em excesso ao projetar as dificuldades para daqui a 60 dias, já que a equipe econômica do governo admite dificuldade para pagar a folha de março. Sem a antecipação das receitas de IPVA e sem o reflexo do ICMS de janeiro, tradicionalmente turbinado pelas vendas de final de ano, o governo ainda não conseguiu fechar as contas para garantir recursos capazes de bancar R$ 1,8 bilhão já no final deste mês para os vencimentos dos servidores – mesmo com os cortes que represaram recursos para áreas estratégicas, como saúde e segurança.
Foto: Karine Viana/Palácio Piratini
Para amenizar a impopularidade que virá, o governador planejou a realização de 15 caravanas pelo interior do estado como forma de explicar aos eleitores o pacote de austeridade que vem sendo costurado pela cúpula do Piratini. A primeira medida de Sartori, de suspender os pagamentos de fornecedores e prestadores de serviço por 180 dias, além de cortar horas extras e coibir a utilização de diárias de viagens, logo na primeira semana de governo, já havia causado surpresa nos eleitores, que embarcaram no discurso evasivo do então candidato.
O principal compromisso de campanha também está prestes a ser descumprido: o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, acenou com o aumento de impostos como alternativa do “cardápio” de medidas que será anunciado pelo governador – o anúncio não tem prazo, assim como a caravana. Durante a campanha, Sartori negou com veemência essa possibilidade. “Temos um cardápio enorme de medidas em avaliação, que inclui corte de gastos e aumento de receita. Como já cortamos o que deu para dentro (do governo), agora estamos estudando uma forma de cortar para fora. As iniciativas mais criativas estão sendo insuficientes para resolver a situação financeira do estado”, disse Feltes.
O “corte para dentro” foi o pacote com o que o governo espera economizar entre R$ 600 e R$ 800 milhões até o final deste ano. Pouco para um déficit já contabilizado no Orçamento de R$ 5,4 bilhões até dezembro. Se um reajuste em taxas e impostos não resolver, o que Feltes chama de “cortar para fora”, o secretário não descarta pedir ajuda à União para enfrentar a crise financeira. O atraso no salário do funcionalismo seria uma forma de fazer caixa para honrar compromissos financeiros obrigatórios, se as medidas em estudo não derem resultado.
Entre esses compromissos obrigatórios está o pagamento de juros com a União, que compromete 13% da receita corrente líquida do Rio Grande do Sul. Declarar moratória não está nos planos do governo. No horizonte, ao invés disso, está a extinção de autarquias e fundações, como TV Educativa, Fundação de Economia e Estatística (FEE) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) para economizar recursos. Os cortes orçamentários atingiram em cheio áreas como Segurança e Saúde – outro compromisso não cumprido pelo governo. Durante a campanha, Sartori garantiu que os serviços à população não seriam afetados mesmo em caso de contingenciamento de recursos. Na Segurança, 650 agentes aprovados em concurso da Polícia Civil tiveram suas nomeações suspensas. O déficit da corporação chega a 2 mil policiais. Na Brigada Militar (BM), 40% das horas extras da tropa foram cortadas. A medida, segundo a Associação dos Cabos e Soldados da BM, afetará diretamente o policiamento ostensivo nas ruas – quatro de cada cinco PMs fazem uma média de 42 horas extras por mês.
Em relação à Saúde, a primeira medida do governo Sartori também foi amarga: os repasses a hospitais e santas casas, além da previdência do Estado, foram represados. Esta semana houve a liberação de R$ 78 milhões para entidades filantrópicas, mas falta pagar R$ 177 milhões aos hospitais. Segundo Feltes, apenas na área da Saúde a dívida herdada pelo PMDB chega a R$ 780 milhões – R$ 550 milhões sem empenho.
Há também uma dívida de R$ 208 milhões do Estado com as prefeituras, relativa a repasses para a compra de medicamentos e manutenção do Samu. O governo havia prometido depositar R$ 45 milhões até o dia 28 de janeiro, mas o repasse não foi feito. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) recomendou que os prefeitos documentem os créditos que têm a receber do Estado para evitar punições durante o exame das contas de 2014.
Foto: Divulgação/Sefaz
Ainda em dezembro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul havia aprovado um projeto de reforma da estrutura administrativa encaminhado pelo então governador eleito que extinguiu ou fundiu dez das 29 secretarias de Estado e autorizou corte de 35% nos cargos em comissão (CCs). O projeto foi aprovado na última sessão legislativa do ano. Mesmo assim, Sartori sancionou projetos de lei aumentando salários de deputados, do Judiciário, dos secretários de Estado e dele próprio, além do vice-governador José Paulo Cairoli (PSD). Pressionado pela opinião pública, o governador voltou atrás dois dias depois e abriu mão, junto com Cairoli, do seu reajuste salarial. O custo do aumento seria de R$ 200 mil ao ano.
Sem margem para fazer investimentos ou implantar programas, os principais compromissos de campanha de Sartori não avançaram nada nos primeiros meses de governo. A implantação da Rede Gaúcha de Cidades Sustentáveis, uma das principais bandeiras do então candidato, ainda não saiu do papel. Também não houve gestões para reduzir as parcelas da dívida pública, medida defendida pelo candidato do PMDB durante os debates eleitorais, e nem medidas de aumento da fiscalização no pagamento de tributos, para evitar evasões e aumentar a receita do Estado.
Para o secretário-geral de governo, Carlos Búrigo, a realidade de baixos investimentos com dificuldade para a manutenção dos serviços públicos não deverá se alterar em curto prazo no Rio Grande do Sul. “O espaço financeiro do Estado se esgotou, não há mais recursos. Vamos nos dedicar a apagar incêndios”, afirmou. O ex-governador Tarso Genro (PT) usou uma rede social para criticar a possibilidade de atraso nos salários do funcionalismo. Segundo ele, o governo tem condições de buscar outras fontes de financiamento, que não seja o Tesouro estadual, para garantir pagamentos “carimbados”, como recursos para a saúde e para amortização de dívidas.
“Esses recursos são para investimentos, e não para pagar salários. Jogados no Caixa Único, ajudam por exemplo (com) os 12% à saúde”, escreveu Tarso. O ex-governador também atribuiu a possibilidade de atraso à falta de planejamento da equipe de Sartori. “Nossa proposta de refinanciamento já estava pronta antes de assumirmos o governo. Daí a rapidez com que vieram recursos. Nós enfrentamos por quatro anos esses problemas. E pagamos”, completou.
Decisões políticas indicam atuação ‘populista’
Alegando “ouvir a voz dos gaúchos”, o governador José Ivo Sartori (PMDB) renunciou ao aumento salarial de 45,9% sancionado por ele em janeiro depois de ser aprovado pela Assembleia Legislativa. Sartori foi alvo de críticas duras por ter aceitado o reajuste em meio a uma grave crise financeira no estado. O aumento elevou o subsídio do governador de R$ 17.347,14 para R$ 25.322,25 – mesmo salário de um deputado estadual. O aumento do vice havia sido percentualmente maior, já que equiparou os vencimentos ao salário de R$ 18.991,69 dos secretários estaduais. O subsídio anterior era de R$ 11.564,76.
Foto: Luiz Gonçalves/Palácio Piratini
A medida deixou de fora, entretanto, a esposa do governador, nomeada por ele secretária extraordinária do Gabinete de Políticas Sociais – cargo que seria exercido de forma voluntária pela primeira-dama. Com isso, a deputada reeleita Maria Helena Sartori (PMDB) não só passa a ser remunerada como, devido à manobra, poderá optar pelo subsídio maior pago pela Assembleia, já que não precisou renunciar ao mandato para assumir o posto, que é temporário. Da tribuna da Assembleia, Maria Helena anunciou que irá renunciar a 50% do salário a quem tem direito porque vai acumular também as funções benemerentes do cargo de primeira-dama – mas reconheceu que não terá como identificar em que momento estará desempenhando uma atividade ou outra. “Sei que não posso separar, mas foi uma decisão de foro íntimo, pessoal”, justificou.
O deputado Jeferson Fernandes (PT) questionou oficialmente a nomeação de Maria Helena Sartori em nome da bancada do partido. “Da forma como estão governando, parece que basta adotar meia dúzia de medidas populistas para que o eleitor se sinta confortável com a escolha que fez”, lamentou o parlamentar.