Falta de recursos, pouco tempo de exposição no rádio e na tevê e o desgaste da classe política por conta dos escândalos envolvendo partidos em nível nacional forçam os candidatos a recorrer à velha prática do corpo a corpo, em uma disputa por votos marcada pela escassez de verbas e de debate ideológico
O fim do financiamento empresarial, as ações do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF), que resultaram em uma série de escândalos na política, o tempo mais curto de campanha e outras mudanças promovidas pela minirreforma eleitoral aprovada no ano passado estão impactando com força as eleições municipais de 2016. A um mês do pleito, a propaganda de rua é escassa, os candidatos lamentam a falta de dinheiro, e debates acalorados sobre preferências eleitorais ou ideológicas parecem ter deixado de seduzir parte significativa da população. A todas essas mudanças, soma-se ainda a questão da propaganda no rádio e na TV, a qual sempre funcionou como ferramenta para conquistar eleitores e, por isso, se firmou como moeda de troca entre partidos na hora do fechamento de alianças.
Foto: Igor Sperotto
Neste ano, o período da propaganda eleitoral gratuita encolheu de 45 para 35 dias (de 26 de agosto a 29 de setembro), os programas são em dois blocos de 10 minutos cada (antes, eram dois blocos de 30 minutos) e se limitam a candidatos das chapas majoritárias. Vereadores entrarão apenas em 40% dos 70 minutos de inserções diárias (nas cidades onde houver geradora de televisão, para compensar a diminuição nos programas, o antigo tempo de inserções, de 30 minutos diários, mais que dobrou). De quebra, há, entre candidatos, insegurança em relação ao impacto da propaganda no rádio e na TV porque, com a explosão dos serviços de streaming no país, ninguém sabe ao certo qual a fatia do eleitorado vai estar assistindo à TV tradicional na hora da propaganda ou das inserções. Ou seja, o horário gratuito segue importante para o eleitor, mas seu peso provavelmente diminuiu.
Parte das mudanças é motivo de críticas entre integrantes de tribunais e ministérios públicos eleitorais, que consideram que o tempo menor de campanha pode favorecer partidos e coligações que já estão no poder. E que o fim do financiamento empresarial pode aumentar o uso do chamado caixa 2 e os casos de abuso de poder econômico. Um dos principais alertas diz respeito à possibilidade do aluguel de CPFs. Por exemplo: impedidos de fazerem doações, grupos empresariais usariam funcionários para fazer doações individuais.
Na prática, não é isso que vem ocorrendo. Após os desdobramentos da Operação Lava Jato, candidatos têm encontrado empresários temerosos de destinar dinheiro ilegalmente e acabar sendo pegos. E as sugestões sobre o uso de CPFs não têm boa aceitação porque, na avaliação das empresas, o MP pode cruzar dados e flagrar as irregularidades.
Já a diminuição dos dois blocos de horário de propaganda e o aumento das inserções podem acabar beneficiando siglas pequenas, novas ou que ainda possuem pouca representação parlamentar. Em Porto Alegre, por exemplo, a candidata do PSol à prefeitura, Luciana Genro, que lidera as pesquisas de intenção de votos divulgadas até o início de setembro, tem apenas 12 segundos dos 10 minutos de propaganda. Por isso, a estratégia foi investir nas inserções – de 30 e 60 segundos.
Conforme o pesquisador de Políticas Públicas Rodrigo González, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, a proibição do financiamento empresarial, além de importante, já mostrou suas consequências, e os receios em relação ao aumento do caixa 2 não estão se confirmando. “O fim do financiamento empresarial reduz muito o volume de recursos e induz ao equilíbrio entre os partidos. E as formas paralelas de destinação de recursos estão relativizadas porque o empresariado está preocupado. O que ele constata é que existem dezenas de deputados, alguns do RS, inclusive, investigados pela Lava Jato que continuam no Congresso livres e soltos, enquanto vários empresários foram ou estão presos”, lembra.
Foto: Arquivo Pessoal
Para driblar a falta de dinheiro e as incertezas sobre o impacto do horário na TV, os candidatos recorrem a uma combinação entre velhas e novas ferramentas. Primeiro, retomaram uma tática que a maioria vinha desprezando nos pleitos mais recentes: o velho corpo a corpo, também chamado de “pé no barro”. Visitas a periferias, campanha de porta em porta, reuniões para ouvir segmentos organizados da sociedade são apontadas como práticas indispensáveis por estrategistas políticos nesta eleição. Soma-se a ela o uso pesado das redes sociais para fazer chamamentos, emitir opiniões sobre assuntos do momento e divulgar propostas de governo. Mas com alguns cuidados. O jogo pesado que caracterizou a eleição de 2014 na internet, com a enxurrada de robôs, perfis fakes e think tanks para espalhar informações falsas, atacar e difamar adversários, partidos e governos ou disseminar discursos de ódio, gerou um início de reação na legislação, mesmo que, na prática, notícias sobre punições ainda sejam raras. Pelas novas regras, é crime, com detenção de dois a quatro anos e multa de R$ 15 mil a R$ 50 mil, contratar direta ou indiretamente grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação.
A grande incerteza da eleição deste ano, contudo, é se todas as mudanças vão resultar em uma alteração no comportamento dos eleitores, principalmente na hora de escolherem seus representantes. As Câmaras de Vereadores são o equivalente municipal do Congresso Nacional, cujos constrangimentos – para a população – se acumulam em 2016. A lista é extensa, mas há dois casos que já marcaram o ano. O primeiro: não fosse por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados continuaria a ser presidida por Eduardo Cunha (PMDB/RJ), que segue no exercício do mandato e com influência sobre deputados de diferentes siglas. O segundo: o comportamento de parlamentares durante a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) na Câmara, invocando de argumentos religiosos a homenagens familiares, deixando de lado aspectos técnicos do processo. De tão surpreendentes, elas chegaram a ganhar destaque (negativo) no noticiário internacional. Ao mesmo tempo, levantamento do site Congresso em Foco mostrou que, dos 513 deputados que votaram o impeachment na Câmara, 150 são investigados pelo STF e 48 são réus em ações penais.
Foto: Igor Sperotto
“O eleitor não mudou. Se você pegar a massa de pessoas que foi para as ruas, participar dos protestos, verifica que ela é pautada por uma descrença muito grande na política e nos partidos e não vê no atual sistema algo que tenha a ver com suas demandas”, adianta o coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS, André Salata. Para ele, as recentes manifestações e o momento político do país podem ter efeito na eleição, no sentido de aumentar os votos de candidatos com discurso mais radical, à direita ou à esquerda. “A polarização, junto à descrença em relação às instituições democráticas, pode levar a isso”, admite Salata.
González acrescenta que a eleição deve servir um pouco como catarse para o eleitorado, apesar de em eleições municipais grande parte da população demonstrar maior preocupação com as questões locais do que com o debate nacional. “Tanto defensores do impeachment como os que denunciam o golpe vão aproveitar para colocar as emoções para fora. Existe a possibilidade de que essa carga decorrente dos escândalos de corrupção venha a despolitizar ainda mais a eleição”, projeta.