Temer quer dar bilhões em isenções a petroleiras
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Ao contrário do que acontece com a discussão da Reforma da Previdência, a Medida Provisória do trabalho escravo, o Decreto da extinção da Renca, a Reforma Trabalhista e tantos outros projetos que a gestão Michel Temer conseguiu ou tenta implantar, e que geram grande repercussão, há ações do governo que tramitam de forma quase invisível aos olhos do grande público. É o que vem ocorrendo com a política para a exploração, desenvolvimento e produção de petróleo no país. A MP, que prevê muitos bilhões em renúncia fiscal às petroleiras, já passou pelo Plenário da Câmara dos Deputados e precisa ser aprovada no Senado até 15 de dezembro para seguir valendo.
Quando o assunto é petróleo, a população tende a associar o termo à Petrobras e às investigações da Lava Jato, ou aos aumentos no valor da gasolina, que se tornaram sistemáticos e constantes na administração Temer. Mas há muito mais por saber.
Neste final de ano, por exemplo, o governo Temer se empenha para aprovar a Medida Provisória (MP) 795/2017. A MP é a que cria um novo regime tributário para o setor de petróleo e gás no Brasil, alterando leis até então em vigor. Estudo divulgado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados estima que a MP incentiva a importação de bens, em detrimento dos fornecedores locais, além de propor uma renúncia fiscal que pode alcançar R$ 1 trilhão durante seu prazo de vigência, e conclui que, com a medida em vigor, “a exploração e produção petrolífera no Brasil, especialmente nos campos do Pré-Sal, caminham para uma situação de baixíssima participação governamental e para baixíssimos índices de conteúdo local”.
O governo emitiu uma nota conjunta do Ministério da Fazenda e da Receita Federal para desmentir o estudo, afirmando que as projeções estariam erradas devido a um “erro de interpretação da norma”, e argumentando que as mudanças previstas no texto trarão mais segurança jurídica, aumentarão os investimentos no setor e serão determinantes na exploração do pré-sal. Nos documentos que sustentam a MP, o governo apresenta estimativas de renúncia fiscal apenas para três anos: 2018, 2019 e 2020.
Regime especial de importação com suspensão de tributos
O fato é que, além de mudanças no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), e na Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), e, em determinados casos, no Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), a MP institui um regime especial de importação com suspensão do pagamento dos tributos federais de bens cuja permanência no país seja definitiva. Também passa a haver isenção de impostos na importação ou na aquisição no mercado interno de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem usados nos processos produtivos. Deixam de ser cobrados, na primeira situação: Imposto de Importação (II), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição para o Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep-Importação) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins-Importação). E, na segunda, também o PIS/Pasep e a Cofins.
Foto: Luis Macedo / Agência Câmara
Quando editada pelo governo, em agosto, a MP previa que a suspensão no pagamento dos tributos valesse até o final de 2022. A Comissão Mista formada no Congresso Nacional para analisar a matéria tratou de ‘melhorar’ o texto, estendendo a isenção dos impostos até 31 de dezembro de 2040. No parecer emitido pela comissão, o relator, deputado Júlio Lopes (PP/RJ), argumenta: “Considerando a complexidade e os prazos em que são realizados os investimentos e o início das operações da atividade de exploração e produção de óleo e gás natural dos blocos exploratórios já contratados e a serem contratados, o prazo de cinco anos concedido aos incentivos criados pela presente MP torna-se insuficiente para ser usufruído pelos seus beneficiários e com reduzidos efeitos. Logo, sugerimos que a limitação do prazo seja equiparada com a prevista para o Repetro (Regime Aduaneiro Especial de exportação e importação de bens destinados à exploração e à produção de petróleo e gás natural). Dessa forma, conferimos simetria de tratamento tributário entre o produto nacional e o importado, estabelecendo maior segurança jurídica aos contribuintes contemplados pelas medidas”.
Isenção dos prazos até 2040
A dilatação dos prazos de isenção dos tributos por mais 23 anos, até 2040, acatada pela comissão, foi proposta em duas emendas ao texto original, e teve protagonismo de um gaúcho, o deputado federal Jerônimo Goergen (PP), autor da emenda 13, cujo enunciado é objetivo: “Estende o prazo de vigência para até 31 de dezembro de 2040 dos regimes de suspensão de tributos federais previstos nos artigos 5º e 6º”. A outra emenda que também solicitou a extensão do prazo, entre outros pontos, foi a de número 30, de autoria do deputado Otávio Leite (PSDB/RJ).
Mesmo que esteja em vigor desde sua edição, em agosto, a MP precisa ser aprovada no Congresso (na Câmara dos Deputados e no Senado) até 15 de dezembro para não prescrever. Na Comissão Mista, com os ‘aperfeiçoamentos’, e apesar dos protestos veementes da oposição, que acusa as mudanças estabelecidas no texto como uma manobra para beneficiar largamente as petroleiras estrangeiras, a MP foi aprovada por 15 votos a 2. No plenário da Câmara, contudo, a situação se complicou. Outros fatores além da divulgação do estudo da Consultoria Legislativa, que chegou à imprensa, começaram a ‘empurrar’ a apreciação da MP, que o governo pretendia ver aprovada rapidamente e sem ‘estardalhaço’.
Um deles foi o resultado da rodada de leilões da camada de pré-sal ocorrida no final de outubro, a primeira desde a mudança na legislação que facilitou a participação das gigantes multinacionais, retirando a presença obrigatória da Petrobras em todos os blocos ofertados. Nos leilões, duas das oito áreas oferecidas não tiveram interessados. Os consórcios liderados pela Petrobras com a participação de estrangeiras venceram em três. A anglo-holandesa Shell liderou outros dois e a norueguesa Statoil levou o último campo. Apesar de o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, ter anunciado que os leilões se caracterizaram como “um estrondoso sucesso”, a arrecadação, de R$ 6,15 bilhões, ficou 20% abaixo da pretensão inicial do governo. Após os resultados, os números evidenciaram que os ágios pagos pela Petrobras garantiram o ‘sucesso’.
Foto: Stéferson Faria/Agência Petrobrás/Divulgação
Lobby do Reino Unido para beneficiar Shell, BP e Premier Oil
Outro fator a atrapalhar a tramitação do texto foi a divulgação feita pelo jornal inglês The Guardian que, em 19 de novembro, publicou informações sobre o lobby praticado pelo governo do Reino Unido para modificar as regras atuais do pré-sal em benefício de gigantes como Shell, BP e Premier Oil. As negociações incluiriam flexibilização da legislação ambiental, redução de impostos e fim de exigências de conteúdo local. Na matéria, o jornal revela documentos diplomáticos obtidos pelo Greenpeace. E viagem feita pelo ministro do Comércio inglês Greg Hands ao Brasil em março, para encontro com o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa.
Porém, na última semana de novembro o governo intensificou a pressão, e obteve sucesso. Dois dias após o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), ser convocado para uma reunião sobre a necessidade da aprovação da medida em tempo hábil, o texto base da MP foi aprovado em plenário. No encontro com Maia, além de Temer e Coelho Filho, estavam o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, um dos maiores defensores da MP. Parente, depois da reunião, destacou o quanto a MP garante “a segurança jurídica aos vencedores dos leilões do pré-sal.”
MP cria benefício de que a Petrobras já dispunha
O Artigo 1º da Medida Provisória 795/2017 ganhou destaque nas discussões sobre as mudanças e passou a fazer com que o governo se desdobrasse em explicações. Nele, ficam estabelecidas regras para dedução de despesas na determinação do lucro real do Imposto de Renda e da base de cálculo da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Tão logo a MP chegou ao Congresso, a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados concluiu o estudo técnico Análise da Medida Provisória 795, de 2017, assinado pelo consultor legislativo Paulo César Ribeiro Lima, da área de Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos, reconhecido por seu conhecimento nas áreas de petróleo e gás. O estudo, de 19 páginas, traz dados e cálculos que apontam que a MP estende a todas as empresas petrolíferas um benefício fiscal do qual a Petrobras já dispunha, e que é apontado no documento como uma distorção. Conforme o texto, caso o Artigo seja aprovado, a arrecadação de IRPJ e CSLL será muito reduzida, podendo chegar a zero.
Perdas podem chegar a R$ 1 trilhão e queda de US$ 7,48 por barril
O estudo defende que, com a MP, haverá uma perda de arrecadação de US$ 7,48 por barril. “A renda do Estado na produção de cada barril de petróleo a US$ 60 será reduzida de US$ 22,69 para US$ 15,208 por barril, o que representa uma participação governamental total de apenas 40%”, assegura o documento, destacando que essa participação está entre as mais baixas do mundo, e que em bacias de pré-sal (que possuem elevados volumes recuperáveis e altíssima produtividade), a participação governamental ideal deveria oscilar entre 75% e 80%. “Aprovada a MP e admitida uma perda de arrecadação de IRPJ e de CSLL de US$ 7,48 por barril, a redução de receita tributária seria de US$ 74,8 bilhões apenas no campo de Libra. Nos vários campos do pré-sal, a redução de receita tributária de IRPJ e CSLL poderia ser superior a R$ 1 trilhão”, adianta o documento.
A divulgação do documento incomodou o governo, que reagiu divulgando a Nota Sobre o Equívoco Contido na Informação de que a MP 795 Provocará Perdas à União da Ordem de R$ 1 trilhão. A nota, assinada em conjunto pela assessoria especial do Ministério da Fazenda e pela Secretaria Receita Federal, tem 13 páginas e assegura que o estudo da Consultoria Legislativa está “incorreto, se baseia em cálculos e dados equivocados e interpreta equivocadamente a MP 795/2017”. Na sequência, o documento garante: “Não existe essa perda. Há, pelo contrário, ganho para a União”.
O governo defende que a MP 795 integra um conjunto amplo de medidas que alteram o marco regulatório do setor do petróleo, visando ampliar a renda por ele absorvida. “Fazem parte dessa mudança do marco regulatório não apenas a MP 795/2017, mas também a simplificação das exigências de conteúdo local e o fim da exclusividade da Petrobras como operadora única do Pré-Sal”, informa o documento. O texto também nega que exista perda de US$ 7,482 por barril de petróleo com as mudanças, creditando o número ao que denomina, em diversas partes do texto, de “erro de interpretação da norma”.
Ao final, também após a apresentação de cálculos e dados, a nota conclui mais uma vez que o estudo que projeta perdas de R$ 1 trilhão está errado. “São duas as fontes principais deste erro: supõe que a MP autoriza a dupla dedução das despesas com custo de produção para apuração da base de cálculo do IR e da CSLL e trabalha com valor subestimado para a participação da União no óleo excedente, tendo utilizado um percentual muito inferior (oferta mínima) àquele efetivamente observado nos últimos leilões”.
Apesar da veemência do governo nas negativas, o consultor Paulo Lima assegura que não há nenhum equívoco no estudo da Consultoria Legislativa da Câmara. “Todos os números e projeções do estudo estão mantidos. Não há erro. Errado está o texto da Receita”, informa.
Levando em conta apenas os dados do governo, e para os próximos três anos ao invés de 23, o Núcleo da Receita da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara também elaborou uma nota técnica, na qual conclui que “grosso modo, o conjunto de medidas adotadas pela MP 795 acarretará renúncias de aproximadamente R$ 16,37 bilhões em 2018, R$ 5,83 bilhões em 2019 e R$ 7,78 bilhões em 2020.” O estudo aponta ainda que “restam dúvidas sobre a capacidade do erário em absorver mais esse pacote de incentivos.” Na conclusão, a nota alerta: “existem óbices para que a presente MP seja considerada adequada e compatível sob a ótica orçamentária e financeira”.