Foto: Marcos Corrêa/PR
Após enfrentar a maior crise de desabastecimento dos últimos anos o país tem quatro meses até as eleições gerais que abrem a possibilidade de corte na tensão institucional que se arrasta desde 2013. Mesmo que o contexto seja de instabilidade e que analistas políticos e economistas apontem o fim simbólico do governo de Michel Temer, ele ainda tem um papel importante a desempenhar, central para a manutenção das regras democráticas. Se o governo se mantiver no que os especialistas denominam de ‘modo espera’, sem tentar implementar mais arrocho, aumento de tributos ou políticas que subam ainda mais o custo de vida, mesmo claudicante, se sustentará até o final. Será auxiliado por um calendário que inclui 33 dias de Copa do Mundo seguidos pelas férias de inverno e uma campanha eleitoral que oficialmente é curta: só começa em 16 de agosto. O problema é se Temer e seu entorno insistirem em ignorar os recados que vêm de fora do perímetro da Praça dos Três Poderes
“O governo Temer agiu à margem da opinião e do debate públicos. Foi fazendo sua agenda independentemente desse diálogo. No máximo, procurava negociar com o Congresso em algumas questões. Um dos muitos pontos que o movimento dos caminhoneiros evidenciou foi esse: a distância entre o atual governo, que agora não tem mais condições de operar plenamente, e a sociedade. Se o governo for comedido, permanecerá mais ou menos estável. Agora, se insistir em soluções controversas, vai gerar mais instabilidade”, aponta o professor Luis Gustavo Mello Grohmann, coordenador do Grupo de Trabalho Comportamento e Instituições Políticas, do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) da Ufrgs.
“Além do distanciamento que já existia, o governo Temer se deparou com a complexidade que é característica dos novos movimentos sociais. O Estado possui uma estrutura verticalizada, mas esses movimentos têm organização horizontal, funcionam em rede, começam com uma pauta mais específica, mas em constante alteração, não há organização centralizada ou lideranças que representem o todo. Na verdade, o próprio movimento está em disputa. No caso dos caminhoneiros, setores mais a direita passaram a colocar suas pautas como principais. A situação do presidente, que já era ruim, se complicou. Mas, a tão pouco tempo das eleições, grupos realmente com potencial para amplificar essa desestabilização não estão interessados em fazê-la”, ressalva o professor André Salata, coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS.
Crise que passa, instabilidade que fica
Foto: Marcelo Camargo/ABr
O mês de junho tende a servir como termômetro do quanto o tema combustíveis vai impactar a estabilidade. A Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que monitorou a greve dos caminhoneiros e as discussões sobre os combustíveis nas redes (8,85 milhões de posts no twitter), apontou-as como um dos principais eventos políticos dos últimos anos em redes sociais no Brasil. E já identificou que, mesmo após o movimento arrefecer, a crítica ao governo se manteve. “O desgaste do governo continuou, e forte”, resume o pesquisador da Dapp Amaro Grassi.
Com o fim da greve, mas não da solução dos problemas envolvendo os reajustes, aumentou a pressão – e o volume de informações – por mudanças que levem em conta a capacidade de refino, o custo nacional da produção (muito inferior ao internacional) e o volume de extração. A nova diretoria da Petrobras, agora sob o comando de Ivan Monteiro, comunicou que aceita discutir a política de ajustes diários. Mas, apesar da movimentação, e mesmo após a sucessão de erros em relação ao movimento dos caminhoneiros e suas consequências, para a população como um todo não há sinal de alterações significativas.
Os últimos focos da paralisação ainda não haviam sido debelados quando, depois de cinco quedas consecutivas (todas durante a greve), em 30 de maio a Petrobras anunciou nova elevação, de 0,74%, no preço da gasolina comercializada nas refinarias. Em 2 de junho, e já após Pedro Parente ter deixado o comando da companhia, ocorreu nova majoração, de 2,25%. E, em 5 de junho, queda de 0,68%. No cenário de sobe e desce dos preços que ocorre desde que a Petrobras adotou o novo formato na política de ajuste, em julho do ano passado, aumentou entre a população a sensação de que algo “está errado.” Porque, de fato, está. Tome-se como exemplo o mês de maio: durante seus 31 dias o preço da gasolina nas refinarias mudou 18 vezes. Em seis delas, caiu. Mas, em 12, aumentou.
Uma política de preços que pavimenta a venda da Petrobras
Em menos de um ano, desde que passou a valer a nova metodologia, que reflete as variações do petróleo e derivados no mercado internacional e, ainda, as do dólar, o preço da gasolina nas refinarias aumentou 50%. Para se ter uma ideia do tamanho da majoração, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado entre maio de 2017 e abril de 2018 foi de 2,76%. Medido pelo IBGE, o IPCA é considerado a inflação oficial do país. Mesmo que se tome por base o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), que é monitorado pela FGV com o registro desde preços de matérias-primas agrícolas e industriais até bens e serviços finais, a diferença é extraordinária. Nos últimos 12 meses o IGP-M acumulou alta de 4,26%.
Até o fim de maio, quando o governo anunciou uma política de compensações para encerrar a greve dos caminhoneiros que incluiu o congelamento dos preços do diesel por 60 dias seguido de reajustes não inferiores a 30 dias, as variações quase diárias e a imprevisibilidade que geram valiam também para o diesel. E foi um dos fatores a servir de estopim para a revolta dos caminhoneiros, que, além da falta de cargas e da precarização nas negociações incrementada pela Reforma Trabalhista, viam seus ganhos já em queda minguarem ainda mais no curto espaço de tempo entre o acerto do valor do frete e a entrega de uma carga no destino.
A Petrobras argumenta que o repasse dos preços cobrados nas refinarias para as bombas depende das distribuidoras e dos donos dos postos e que a população deveria procurar pelas instâncias adequadas de fiscalização para efetuar denúncias. É fato que os consumidores observam que quando o preço sobe, o repasse sempre acontece. Mas quando cai, não. Também é fato que a atual metodologia facilita o descontrole: com tantas altas e baixas, até no curto prazo as referências anteriores acabam se perdendo. As denúncias se proliferam, mas, além de frustrados, os consumidores se mostram cansados. Com tantas oscilações, é mais difícil ter certeza sobre quais as margens estão sendo adotadas especificamente nos estabelecimentos.
Apesar disso, em um dos tantos pronunciamentos no decorrer da greve, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, insistiu que, caso a redução de R$ 0,46 no valor do litro do diesel não chegasse às bombas, os abusos deveriam ser denunciados aos Procons, e que os caminhoneiros seriam os fiscais do cumprimento das medidas. As colocações, comparadas a máximas da cultura inflacionária dos anos 1980, como quando o então presidente José Sarney incentivou as figuras dos ‘fiscais do Sarney’, ajudaram a engrossar o coro dos que apontam o atual governo como retrógrado e despreparado para enfrentar as novas formas como reivindicações e movimentos da população se organizam.
Mas, mais do que o despreparo para as novas manifestações, o que analistas colocam em xeque a partir da crise do abastecimento são os objetivos da administração Temer. “É uma questão de bom senso ter um colchão, um plano de contingência para as subidas e descidas do preço do barril dentro da atual política. A ausência desse plano, então, parece deliberada. Pode ser de fato para encaminhar a venda da Petrobras. Ou pode estar se forjando a reintrodução de um ambiente inflacionário, o que seria ainda pior”, projeta Grohmann.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Segundo o professor, para além de Temer, a greve também estabeleceu pelo menos outros dois desafios ao presidente a ser eleito: o que o próximo governo fará em relação ao processo de produção relacionado a todo o campo petróleo; e o próprio projeto de país, em um momento de transformações internacionais. “A nova perspectiva estabelecida a partir da administração de Donald Trump nos Estados Unidos altera as relações entre os estados capitalistas. Até então, o mote era o do livre comércio. Mas Trump o está substituindo pela lógica do ‘cada um defende o seu’. O Brasil se posicionará ao lado da União Europeia, dos BRICS ou de Trump? Caso o eleito se furtar a enfrentar estes dois temas, teremos mais problemas à frente, porque, de novo, se abrem chances para elementos oportunistas, populistas e radicalizados”, assegura o professor.