“Escola sem partido” volta à pauta da Câmara
Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados
Entre os projetos da pauta desta quarta-feira, 4, da Câmara dos Deputados, foi incluída a proposta que cria o programa “Escola sem partido”. O projeto altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para afastar a possibilidade de oferta de disciplinas com conteúdo de “gênero” ou “orientação sexual” em escolas de todo o país.
Pauta do MBL e de deputados ultraconservadores no Congresso, o “Escola sem partido” tem ampla rejeição na sociedade por atentar contra a liberdade de cátedra, por seu caráter antidemocrático e de censura em contraposição aos processos de ensino-aprendizagem e porque propõe alterações na legislação educacional. O programa acumula pareceres de inconstitucionalidade das mais variadas instituições e de instâncias do judiciário. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que a proposta “é tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de igual hierarquia”.
Pelo texto do relator, deputado Flávio Augusto da Silva, o “Flavinho” (PSC-SP), cada sala de aula deverá afixar um cartaz com seis “deveres do professor”, entre os quais está a proibição de “usar sua posição para cooptar alunos para qualquer corrente política, ideológica ou partidária”. Além disso, “o professor não poderá incitar os alunos a participar de manifestações e deverá indicar as principais teorias sobre questões políticas, socioculturais e econômicas”.
Segundo o relator, o “problema da doutrinação política e sexual no ambiente escolar é latente, crônico e traumático” e tem sido negligenciado ao longo dos anos. “Há muitos anos, tem sido jogado para debaixo do tapete e acobertado sob o manto da liberdade de expressão e da liberdade de cátedra dos doutrinadores travestidos de docentes. Não podemos mais permitir que os alunos, parte mais vulnerável do processo, e suas famílias sejam constantemente atacados em seus direitos e vilipendiados em suas convicções pessoais”, argumenta o parlamentar.
REACIONÁRIO – Católico ultraconservador e lidernça da autodenominada “bancada católica” da Câmara, Flavinho, que era do PSB antes de entrar no “socialista cristão” é conhecido por suas posições racionárias e machistas. “As mulheres não querem empoderamento, ela querem ser cuidadas”, declarou ao justificar seu voto contra a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara, em 2016. Seu principal doador de campanha é o empresário Gilmar da Silva Gimenes, ex-diretor administrativo e financeiro da Companhia de Processamento de Dados do Estado (Prodesp) de quem recebeu R$ 44.350 dos R$ 102 mil declarados pelo ex-missionário da Canção Nova. Gimenes é investigado pela Polícia Federal por enriquecimento ilícito.
O projeto está pautado para ser votado na comissão especial criada para discutir o assunto e tramita em caráter conclusivo. Caso aprovado, pode ser encaminhado diretamente para apreciação do Senado. Como se trata de um tema polêmico, deputados podem recorrer para que a matéria também seja analisada pelo plenário da Câmara.
As diretrizes estabelecidas no projeto também devem repercutir sobre os livros paradidáticos e didáticos, as avaliações para o ingresso no ensino superior, as provas para o ingresso na carreira docente e as instituições de ensino superior.
O projeto inclui na LDB a ideia de que os valores de ordem familiar têm precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa. Pelo texto de Flavinho, a lei entraria em vigor dois anos após aprovada.
EQUÍVOCO – Crítico do Escola sem Partido, o deputado Bacelar (Pode-BA) já apresentou formalmente um voto contrário ao parecer de Flavinho. Segundo o parlamentar baiano, o projeto tem trechos inconstitucionais, e o texto apresentado pelo relator “não sana tais problemas, ao contrário, torna-os extremamente evidentes”.
“Não é razoável pensar na relação entre as liberdades de ensinar e de aprender sem considerar prioritariamente a base de toda a pedagogia, que é a relação ensino-aprendizagem. Para nós, não faz sentido a indagação do parecer ‘Até onde vai o direito de ensinar [do professor], de modo a não colidir com o direito de aprender [do aluno]?’ Na verdade, a liberdade de ensinar não existe sem a de aprender, e ambas não se concretizam se não houver relação ensino-aprendizagem efetiva”, afirmou Bacelar.
De acordo com o deputado, é um equívoco a matéria colocar a liberdade de aprender e de ensinar como aspectos contraditórios. “Além de colocar as liberdades de aprender e de ensinar como se fossem direitos antagônicos, e não interrelacionados em uma dinâmica sempre complexa, o relator afirma que a ‘liberdade de expressão’ do professor só pode ser exercida em contextos alheios ao exercício da sua função, o que é um absurdo.”
Bacelar afirmou ainda que a retirada do conteúdo de “gênero” ou “orientação sexual” é preconceituosa e fere a Constituição Federal. “Tal expressão traz consigo uma extrema distorção do que seriam estudos de gênero e não é sequer definida ou utilizada no meio acadêmico. É utilizada apenas por aqueles que, eles, sim, carregam uma ideologia muito clara: uma ideologia machista, autoritária, heteronormativa e avessa a direitos humanos”, argumentou Bacelar.
Cartaz
Pela proposta, deverá ser afixado em todas as escolas públicas e privadas do país um cartaz com o seguinte conteúdo, que seriam os “deveres do professor”:
- Não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária;
- Não favorecerá, nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas;
- Não fará propaganda político-partidária em sala de aula, nem incitará os alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas;
- Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito;
- Respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;
- Não permitirá que os direitos assegurados nos itens anteriores sejam violados pela ação de terceiros, dentro da sala de aula.
*Com informações da Agência Brasil.