Jornalistas sob ameaça com ascensão da extrema-direita
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Enquanto 137 casos de ameaças a jornalistas que cobrem o processo eleitoral já foram registrados no Brasil pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Comissão Europeia solicitou na semana passada urgência às autoridades da Bulgária para o esclarecimento do assassinato da jornalista Viktoria Marinova, 30 anos, ocorrido no dia 6 de outubro. A rápida ação de Bruxelas quer identificar se Viktoria foi morta em decorrência de seu trabalho. Uma semana antes de ser encontrada morta em um parque da cidade de Ruse, a jornalista denunciou um caso de corrupção em fundos de investimento, envolvendo a infraestrutura no país. Desde maio de 2017, a extrema-direita búlgara integra o governo, tendo um dos seus representantes à frente do Ministério da Defesa.
A relação entre violência contra jornalistas e ascensão da extrema-direita ao poder é cada vez mais evidente. De acordo com um levantamento da ONG internacional Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil é o segundo país da América Latina com o maior número de jornalistas assassinados entre 2010 e 2017. Nesse período, o número de repórteres assassinados chegou a 26. O país em que mais jornalistas foram mortos é o México, com 52 execuções no período. Segundo o diretor regional da organização para a América Latina, Emmanuel Colombié, a liberdade de imprensa funciona como um termômetro do vigor da democracia e o índice global vive seus piores momentos. “Estamos com 3.826 pontos, caiu muito desde que o ranking começou a ser feito em 2002.” Colombié destacou o crescimento do ódio aos jornalistas incentivado por líderes eleitos. “Esse tipo de desqualificação é cada vez mais comum. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz midia-bashing [ataques públicos aos meios de comunicação], o que é péssimo por estimular outros países a tratar jornalistas da mesma maneira. Ele qualifica sistematicamente os repórteres de ‘inimigos do povo’, uma expressão usada por Joseph Stalin”, afirmou.
As agressões a jornalistas marcam o período eleitoral. A Abraji registrou 137 casos na primeira quinzena de outubro, sendo 75 ataques digitais e 62 físicos contra profissionais em atividade na cobertura eleitoral. A Abraji denunciou “a exposição indevida de comunicadores, quando os agressores compartilham fotos e/ou perfis apontando que o profissional seguiria uma ideologia e, assim, incentivando ofensas em massa” nas redes sociais. A entidade citou o caso de grupos e influenciadores como Danilo Gentili – que, pelo Twitter, incitou seus seguidores a uma ofensiva contra jornalistas após a publicação de reportagem com a ex-mulher de Bolsonaro – e o Movimento Brasil Livre (MBL), que produziu um “dossiê” com os perfis de “jornalistas de esquerda” e “extrema esquerda”. Em nota, a entidade avalia que “declarações e posicionamentos de qualquer figura pública influenciam uma audiência bastante ampla, que muitas vezes ecoa a mensagem transmitida ou repete a atitude. Em alguns dos casos digitais, por exemplo, fatos falsos sobre jornalistas passaram a ter o alcance amplificado depois de terem sido compartilhados por essas figuras”. A jornalista Patrícia Campo Mello, da Folha de São Paulo, passou a sofrer ataques sistemáticos nas redes sociais após a publicação da reportagem que denuncia o esquema de empresários e contratos milionários para publicações de notícias contra o PT via WhatsApp pela campanha de Bolsonaro, publicada na quinta-feira, 18.
ELEIÇÕES – Na cobertura da votação no primeiro turno das eleições foram registradas as mais diversas formas de intimidação, ameaças e agressões contra jornalistas mulheres por eleitores e cabos eleitorais da campanha de Bolsonaro. Em Recife (PE), uma profissional do Jornal do Commercio, que teve seu nome preservado por motivos de segurança, foi agredida e ameaçada de estupro ao sair de um local de votação na zona norte da capital. De acordo com o Boletim de Ocorrência, um dos agressores usava camiseta do candidato do PSL. Segundo a jornalista, os homens que a ameaçaram estavam armados com uma barra de ferro e acabaram fugindo porque o motorista de um carro que passava pelo local presenciou a cena e acionou a buzina do veículo.
O caso da jornalista Talita Policeno, do Correio do Povo, de Porto Alegre, se assemelha ao ocorrido com sua colega do outro extremo do Brasil. Em relato emocionado na sua rede social, Talita disse que estava saindo tarde do jornal e tomava um café quando foi abordada por homens de dentro de um carro. Ela relata que não reagiu, permaneceu em silêncio e pode ouvir o som metálico de um revólver sendo engatilhado dentro do veículos e gritos de “agora vai ser assim, Bolsonaro Presidente”. Em seu vídeo, a jornalista desabafa: “O cara nem se elegeu e os eleitores dele já estão ameaçando as pessoas na rua. Muito obrigado para os que votaram nesse sujeito que diz que vai liberar arma pra todo mundo”, lamenta.
Alarme na Europa
O assassinato da jornalista na Bulgária se somou a dois outros acorridos na Europa em menos de um ano. Em Malta, a jornalista Daphne Caruana Galizia, que investigava um intrincado sistema de corrupção, morreu em uma explosão de bomba colocada em seu carro. Quatro meses após, em fevereiro passado, o homicídio do jornalista Jan Kuciak, na Eslováquia, incitou as maiores manifestações de rua desde a queda do regime comunista há quase trinta anos. Kuciak investigava fraude fiscal de empresários com ligações políticas e empresários italianos na Eslováquia com ligações com a máfia e o governo do país.
Apesar de o assassinato da jornalista búlgara Marinova, que foi encontrada com sinais de estupro, espancamento e estrangulamento, ainda não ter sido esclarecido, o fato de todos os crimes se relacionarem com profissionais de imprensa que denunciavam a corrupção em seus países, ligou o sinal de alerta da União Europeia. Marinova era jornalista no canal de televisão TVN, com sede na cidade de Ruse. Era apresentadora e jornalista de um programa de entrevistas chamado ‘Detector’, que vinha expondo casos de corrupção. O primeiro episódio do programa denunciou desvios de fundos europeus que envolviam políticos, magnatas russos e o presidente da Lukoil na Bulgária, uma empresa petrolífera russa, com sede em Moscou. Dois políticos búlgaros apontados pela investigação da jornalista pelo envolvimento no esquema de corrupção, Attila Biro e Dimitar Stoyanov, chegaram a ser detidos em setembro. Em 10 de outubro, três dias depois do crime, a polícia alemã prendeu próximo a Hamburgo, Severin Krasimirov, 30 anos, principal suspeito do assassinato.
Extrema-direita marcha
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A preocupação crescente na Comunidade Europeia é com o avanço da extrema-direita. Na Bulgária, de Marinova, no início de 2018, centenas de manifestantes marcharam pelo centro da capital, Sófia, num ato em homenagem a um general que comandou uma organização pró-nazista nas décadas de 1930 e 1940. A pesar da condenação internacional e de manifestações de preocupação na mídia local, a marcha – que celebrou a figura do general Hristo Lukovefoi, líder da União de Legiões Búlgaras Pró-Nazistas – foi realizada e acompanhada de uma procissão na qual jovens vestidos de negro empunhando tochas deixaram flores na antiga casa do general.
Tortura e esquartajamento no consulado árabe
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Outro caso de enorme repercussão internacional em meio a uma crise diplomática envolvendo Estados Unidos, Turquia e Arábia Saudita é o caso do desaparecimento de Jamal Kashoggi, colunista do do jornal norte-americano The Washington Post e crítico do poderoso príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. Khashoggi foi capturado no dia 2 de outubro ao entrar no consulado árabe em Istambul para pegar um documento para se casar com a sua noiva turca, Hatice Cengiz, que ficou esperando na porta. O governo saudita alegou que teria ocorrido uma briga entre o jornalista e “pessoas que estavam no consulado”. De acordo com as investigações, o jornalista foi assassinado dentro do consulado.
Nesta terça-feira, a a emissora britânica de TV Sky News informou que partes do corpo “esquartejado” de Khashoggi, que teve o rosto desfigurado por seus executores, foram encontradas no jardim da residência do cônsul saudita, Mohammed al Otaibi, que retornou a Riad em 16 de outubro, um dia antes que os peritos turcos fizessem buscas e inspeções no local. A descoberta de partes do corpo de Khashoggi vem à tona pouco depois de o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ter afirmado que a morte do jornalista foi um “assassinato selvagem e planejado” e prometido que o caso será investigado a fundo. “O assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi foi premeditado”, declarou Erdogan em discurso no Parlamento em Ancara. “Está claro que a operação não ocorreu por acaso, mas foi fruto de um planejamento. Temos fortes indícios neste sentido”, apontou.
Erdogan afirmou que a investigação das autoridades turcas continua e pediu que os 18 cidadãos detidos na Arábia Saudita por suspeita de envolvimento no assassinato sejam julgados na Turquia. O presidente também descreveu detalhes das investigações turcas que, até agora, tinham sido revelados na imprensa como vazamentos anônimos, enfatizando que o crime foi uma ação premeditada. Khashoggi não deixou o consulado e que as investigações da polícia se estendem a uma floresta no noroeste de Istambul e ao município de Yalova, em uma província vizinha.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou a Arábia Saudita de mentir sobre a morte do jornalista saudita, mas relativizou acusações ao governo do país aliado em entrevista ao The Washington Post. Ao referir-se a uma eventual responsabilidade do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman:, Trump desconversou: “Ninguém me disse que é o responsável, ninguém me disse que não é o responsável, não chegamos a esse ponto. Não ouvi isso de forma alguma”. No domingo, o Ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel bin Ahmed Al-Jubeir, afirmou que a morte de Khashoggi foi um “erro sério enorme”.