POLÍTICA

Os dez pontos da MP 881 que prejudicam trabalhadores

A medida aprovada em comissão mista altera diversos pontos da CLT e flexibiliza ainda mais contratos, jornadas e autoriza trabalho em finais de semana e feriados
Por César Fraga / Publicado em 11 de julho de 2019
Ao lado da senadora Soraya Thronicke e do deputado Jeronimo Goergen, relator da MP, o senador Dário Berger (ao microfone) presidiu a comissão mista, que aprovou mais de 100 alterações ao texto original

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Ao lado da senadora Soraya Thronicke e do deputado Jeronimo Goergen, relator da MP, o senador Dário Berger (ao microfone) presidiu a comissão mista, que aprovou mais de 100 alterações ao texto original

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Nesta quinta-feira, 11 a comissão mista que analisa a medida provisória (MP) 881/2019 aprovou o relatório do deputado Jeronimo Goergen (PP-RS). O texto estabelece livre mercado, prevê imunidade burocrática para startups e extingue o Fundo Soberano do Brasil – criado em 2008, depois do estouro da bolha imobiliária americana que veio com a quebra do banco Lehman Brothers e tem por objetivo evitar a supervalorização do Real diante do Dólar, seguindo a mesma prática que os países do G7 adotaram.

O projeto de lei de conversão (aprovado quando uma MP é modificada no Congresso) precisa passar pelos Plenários da Câmara e do Senado antes de ir para a sanção do presidente da República. A comissão mista é presidida pelo senador Dário Berger (MDB-SC).

A medida provisória institui o que os governistas estão chamando de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. A justificativa do Planalto é recuperar a economia, garantir investimentos em educação e tecnologia, facilitar a privatização e dar segurança jurídicae questões que até então eram consideradas práticas ilegais ou questionáveis na Justiça. Na prática mexe ainda mais com direitos dos trabalhadores.

De um lado a MP 881/2019 libera pessoas físicas e empresas para desenvolver negócios considerados de baixo risco. Estados, Distrito Federal e municípios devem definir quais atividades econômicas poderão contar com a dispensa total de atos de liberação como licenças, autorizações, inscrições, registros ou alvarás. De acordo com o texto, essas atividades econômicas poderão ser desenvolvidas em qualquer horário ou dia da semana, desde que respeitem normas de direito de vizinhança, não causem danos ao meio ambiente, não gerem poluição sonora e não perturbem o sossego da população.

De acordo com o texto, a administração pública deve cumprir prazos para responder aos pedidos de autorização feitos pelos cidadãos. Caso o prazo máximo informado no momento da solicitação não seja respeitado, a aprovação do pedido será tácita. Cada órgão definirá individualmente seus prazos, limitados ao que for estabelecido em decreto presidencial. A MP também equipara documentos em meio digital a documentos físicos, tanto para comprovação de direitos quanto para realização de atos públicos.

A MP 881/2019 prevê imunidade burocrática para o desenvolvimento de novos produtos e serviços e para a criação de startups — empresas em estágio inicial que buscam inovação. Poderão ser realizados testes para grupos privados e restritos, desde que não se coloque em risco a saúde ou a segurança pública. O texto também autoriza que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reduza exigências para permitir a entrada dos pequenos e médios empreendedores no mercado de capitais. A ideia é que empresas brasileiras não precisem abrir seu capital no exterior, onde encontram menos burocracia.

A matéria extingue o Fundo Soberano do Brasil (FSB), criado em 2008 como uma espécie de poupança para tempos de crise. Os recursos hoje depositados no FSB serão direcionados ao Tesouro Nacional. O ex-presidente Michel Temer já havia tentado extinguir o FSB por meio da MP 830/2018, mas o dispositivo foi rejeitado no Parlamento. Em maio de 2018, o patrimônio do fundo somava R$ 27 bilhões.

Flexibilização ainda maior da CLT

A MP 881/2019 altera diversos pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei 5.452, de 1943). O texto prevê, por exemplo, que a legislação trabalhista só será aplicada em benefício de empregados que recebam até 30 salários mínimos. A medida provisória também prevê a adoção da carteira de trabalho digital e autoriza o trabalho aos domingos e feriados, sem necessidade de permissão prévia do poder público. Por fim, a matéria acaba com a obrigatoriedade das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) em situações específicas. O deputado Enio Verri (PT-PR) criticou esses pontos do texto.

“Não creio que o liberalismo econômico seja a saída para as grandes crises que vivemos. O incentivo a micro e pequenas empresas sem dúvida é um avanço. Mas a medida provisória faz uma nova reforma trabalhista. Na verdade, tira-se mais direitos. Eu não entendo como a micro e a pequena empresa vão crescer com uma população desempregada e sem salário. Quem vai comprar da micro e pequena empresa?”, questiona Verri.

O relator da matéria disse que é “inteiramente falso” o entendimento de que a liberdade econômica reduz direitos. Para Jeronimo Goergen, a MP 881/2019 não ameaça os trabalhadores.

Para o relator, o Estado deve abrir caminho para as liberdades econômicas e a iniciativa privada, sem que isso signifique receio à proteção de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. “É, ao contrário, o aumento da proteção às liberdades econômicas, à livre iniciativa. É plenamente possível um jogo de ganha-ganha, em favor tanto das liberdades econômicas como da manutenção do atual nível de proteção”, defende.

A medida provisória perde a validade no dia 10 de setembro, caso não seja votada pelas duas Casas do Congresso.

Os principais pontos que prejudicam os trabalhadores são:

A assessoria jurídica da Central Única dos Trabalhadores (CUT) emitiu um parecer sobre a MP 881, alertando para uma série de mudanças que afetam diretamente os trabalhadores ao revogar pelo menos 10 artigos da CLT. os principais pontos são:

  1. Flexibiliza horários e jornada de trabalho com liberalização de trabalhos aos sábados, domingos e feriados, sem distinção de atividades;
  2. Introduz a lógica de interpretação do Direito Comum e Econômico sobre o Direito do Trabalho;
  3. Exclui empregados com remuneração superior a 30 salários-mínimos da aplicação das normas da CLT (art. 26, § 15);
  4. Cria a CTPS digital e sem garantia de acesso efetivo para todos os trabalhadores acerca de suas informações (excluídos digitais que não são poucos no Brasil);
  5. Cria mecanismos que dificultam a fiscalização e autuação fiscal e retira os sindicatos do sistema;
  6. Cria sistema de recursos de multas decorrentes de fiscalização do trabalho, desobrigando o empregador do depósito para a interposição do recurso;
  7. Fim do e-Social;
  8. Dispensa de encaminhamento da guia de recolhimento previdenciário aos sindicatos;
  9. No artigo 72, cria uma exceção de “crise” para não aplicar acordos coletivos, convenções coletivas e dispositivos da CLT de normas especiais (como, por exemplo, o artigo 224 da jornada especial dos bancários) e as Normas de Segurança do Trabalho (NRs) enquanto, por 12 meses, as estatísticas do IBGE não reconhecerem menos de 5 milhões de desempregados;
  10. Acaba com a obrigatoridade das CIPAs, tornando-as facultativas, dentre outras apontadas nos quadros anexos. 

A inclusão de matérias estranhas ao objeto da Medida Provisória já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (na ADI nº 5.127, o STF reconheceu a “impossibilidade de se incluir emenda em projeto de conversão de Medida Provisória em lei com tema diverso do objeto originário da Medida Provisória”).

Fim do eSocial

A MP 881/2019 recebeu 301 emendas. O deputado Jeronimo Goergen acolheu 126 delas, integral ou parcialmente. O relator incluiu um dispositivo para acabar com o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial). O sistema tem como objetivo unificar o pagamento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas.

Para Goergen, “as empresas estão sendo obrigadas a fazer um enorme investimento” para atender ao eSocial. Mas não são dispensadas de outras obrigações como a Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf), a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o Sistema Empresa de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (Sefip) e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

O texto prevê ainda a prevalência do contrato sobre o direito empresarial em situações de insegurança jurídica e formas alternativas de solução de conflito em sociedades anônimas. Em outra frente, o relator sugere a criação dos chamados sandboxes — áreas sujeitas a regimes jurídicos diferenciados, como zonas francas não-tributárias definidas por estados e Distrito Federal.

Transportadoras são beneficiadas

A MP 881/2019 anistia multas aplicadas a transportadoras que descumpriram a primeira tabela de frete fixada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em 2018. O deputado Jeronimo Goergen prevê ainda a criação do Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) para eliminar 13 dos 30 documentos associados às operações de transportes de cargas e de passageiros no Brasil.

O texto prevê autonomia privada nos contratos agrários, atualmente regulados pelo Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 1964). Para o relator, “o dirigismo estatal tira das partes a livre manifestação de vontade e cria restrições no uso da propriedade”. Jeronimo Goergen propõe ainda a extinção do livro caixa digital para produtores rurais, o que ele classifica como “uma burocracia desnecessária”. O relator também incluiu no texto medidas para desburocratizar a liberação do financiamento de imóveis.

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