POLÍTICA

Crescimento do neonazismo no Brasil dispara o alarme

Já são 334 células no país. Pesquisadora afirma que a cada 4 segundos surge uma postagem antissemita e a cada 8 segundos contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 22 de novembro de 2019

 

Cartaz flagrado nas ruas de Itajaí, em Santa Catarina, em 2014

Foto: Reprodução/Redes Sociais

Cartaz flagrado nas ruas de Itajaí, em Santa Catarina, em 2014

Foto: Reprodução/Redes Sociais

“Hoje, vivemos o que considero um tsunami do movimento da direita”, diz a antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias que está preparando um livro abordando grupos neonazistas brasileiros. Ela, fruto de um movimento quase incidental, acabou sendo reconhecida como a maior especialista em movimentos neonazistas no Brasil e diz que as redes sociais criaram as condições favoráveis para a proliferação desses extremistas. “Não é caso de alarmismo. É de alarme”, fala ao entender que com o ressurgimento da extrema-direita a sociedade brasileira está aberta aos discursos de ódio. Todos, segundo ela, “estão podendo falar do assunto com certa tranquilidade”.

De acordo com o mapeamento de Adriana, em grupos que variam de três a 25 pessoas, já são 334 células neonazistas em atividade no país divididas em diversas tendências. Inicialmente localizadas no Sul e Sudeste, a pesquisadora registra que já começam a surgir células no Centro-Oeste, seis em Goiás, três em Mato Grosso e uma em Mato Grosso do Sul. Ela aponta que as células reúnem entre quatro e cinco mil pessoas, mas que cerca de 500 mil leem material neonazista no país.

Com facilidade para transitar no meio digital, por ser também programadora, a antropóloga se instigou com o assunto em uma aula de sua graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ao pesquisar na internet ela recorda que se deparou com um site em português onde quatro homens apareciam fazendo com seus corpos uma suástica e uma bandeira do movimento “nacional-socialista” de Hitler.

A curiosidade inicial, acabou-se transformando em seu trabalho de conclusão de curso e mais tarde aprofundado em seu mestrado e doutorado, pois, segundo a antropóloga, “identifiquei que havia uma estrutura por trás”.

Adriana que se declara muito exigente com seus dados, disse que na primeira vez que os obteve achou que estavam falseando a realidade, “que não era possível o fenômeno ser tão grande”. Levantando números de sites, postagens, downloads em redes, inscritos e postagens em fóruns, integrantes em comunidades como Facebook e Twitter, a pesquisadora chegou a conclusão de que há uma postagem antissemita no Twitter a cada quatro segundos e, em português, uma postagem contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs a cada 8 segundos.

Adriana Abreu Magalhães Dias está preparando um livro abordando grupos neonazistas brasileiros

Foto: Acervo Pessoal

Adriana Abreu Magalhães Dias está preparando um livro abordando grupos neonazistas brasileiros

Foto: Acervo Pessoal

Dos sites para os fóruns

Paradoxalmente, a diminuição acentuada de sites de movimentos neonazistas na rede de computadores é o que mais preocupa a antropóloga. “No meu mestrado, eram muitos os sites individuais, mas eles passaram a migrar para fóruns coletivos, que são espaços de diálogo, o que eu já via como um sinal de perigo” ressalta. De acordo com Adriana,  depois dos diálogos vieram as alianças de movimentos e agora os rallies (comícios). Um exemplo foi o realizado no estado da Virgínia em agosto de 2017 na cidade de Charlotessville, Estados Unidos, onde centenas de manifestantes carregando tochas, fizeram saudações nazistas e gritaram palavras de ordem contra negros, imigrantes, homossexuais e judeus. “Ali ficou patente que os grupos de direita estão se unindo”, fala.

Metodologia

Diante dos números encontrados em sua pesquisa, Adriana desabafa: “Quem mais gostaria que esses dados não existissem sou eu, mas se trata do meu objeto de pesquisa.”

Para aferir a realidade dos números, ela fez uso de várias ferramentas, muitas pouco conhecidas na seara da antropologia, principalmente a rede Thor. Assim, a pesquisadora acessou a denominada Deep Web, que integra muito material não indexado, onde circulam também conteúdos de outros tipos: acadêmicos, pornográficos, ativistas e até criminosos, entre outros. “Trabalhei com algoritmos que buscam palavras-chave e criei ferramentas que fornecem extratos numéricos que eu não teria como manipular. Utilizei quatro ferramentas de análise quantitativa (no mestrado foram duas), sendo que uma confirma o resultado da outra”, explica.

Material apreendido pela polícia

Foto: Divulgação

Material apreendido pela polícia

Foto: Divulgação

Não fechar os olhos

Adriana defende a necessária abordagem da questão do crescimento do neonazismo para ativar o sinal de alerta. Para ela, as redes sociais, ao mesmo tempo em que favoreceram o crescimento dos grupos extremistas são, de fato, um espaço de socialização que também dá possibilidades para o avanço de grupos democráticos.

A antropóloga defende o fortalecimento dos espaços democráticos na internet e a necessidade da criação de regras mais duras para conter crimes de ódio e a difusão de discursos de ódio. “Precisamos abordar o tema Justamente para não dar palanque, precisamos falar sobre criminalização de movimentos de ódio e resgatar a questão crucial: compartilhar humanidades”, sentencia.

 

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